16 junho 2006

Jornalismo













É...parece que não gostam mesmo da gente...hahaha.










1)MANDAMENTOS DO JORNALISMO


1º – Não terás vida pessoal, familiar, social ou sentimental.

2º – Não verás teu filho crescer.

3º – Não terás feriados, fins de semana, férias, ou qualquer outro tipo de folga.

4º – Terás gastrite, se tiveres sorte. Se fores como os demais, terás úlcera.

5º – A pressa será tua única amiga, e as suas refeições principais serão os lanches, as pizzas e o China in Box.

6º – Teus cabelos ficarão brancos antes do tempo; isso, se te sobrarem cabelos.

7º – Tua sanidade mental será posta em cheque várias vezes antes que completes cinco anos de trabalho.

8º – Dormir será considerado período de folga; logo, não dormirás.

9º – Trabalho será teu assunto preferido; talvez o único.

10º – A máquina de café será a tua melhor colega de trabalho, porém, a cafeína não te fará mais efeito.

11º – Terás sonhos com fontes e chefes, e, não raro, resolverás problemas de trabalho neste período de sono.

12º – Exibirás olheiras como troféus de guerra.

13º – E o pior: inexplicavelmente, gostarás de tudo isso.






2)MISSÃO JORNALÍSTICA (ALEXANDRE MARINO)



Repórter que se preza tem sempre uma boa fonte sussurrando "as últimas".

Na ante-sala do gabinete de um ministro, um jornalista muito branco e de olheiras (é o estilo dark involuntário) aguarda ser atendido para uma entrevista, enquanto sonha com uma viagem ao exterior e uma casa própria no Lago Norte. Trêmulo, vai aos poucos enchendo um cinzeiro com alguns anos de vida a menos. Está condenado a morrer de infarto, mas atingirá a glória da profissão mais narcisista que existe, depois dos cabeleireiros. Não é apenas um jornalista: é um jornalista político que vive em Brasília e trabalha numa grande sucursal, e imagina que os grandes nomes do poder muito o respeitam.

É um paranóico, mas não liga – ou, dependendo do grau da paranóia, já nem sabe disso mais. Não tem tempo para ir ao cinema ou ver um show de música popular, mas cultiva um hábito muito comum nas redações brasilienses: pelo menos duas ou três vezes por semana vai almoçar com a "fonte" (um bem informado funcionário do poder, que não é amigo mas é útil, porque sabe das coisas).

O jornalismo em Brasília é uma paranóia só. O centro nervoso da Capital é o Eixo Monumental. Começa morno no Palácio do Buriti, sede do governo local, esquenta no Setor Comercial Sul, onde fica a maioria das sucursais (e alguns bares fedidos onde os jornalistas vão aliviar a tensão), atinge altas temperaturas na Esplanada dos Ministérios e ferve na Praça dos Três Poderes, onde coleguinhas de jornais concorrentes viram feras uns com os outros.

Fazer a cobertura diária de um ministério é um teste para o coração. Se um repórter se levanta de sua mesa e vai ao banheiro, imediatamente os outros trocam olhares preocupados. Será que ele foi buscar um furo? A pergunta é telepática. Um dos pré-requisitos de um bom profissional é a paranormalidade, muito útil para se preverem fatos políticos óbvios. Saber ler nos olhos de uma autoridade que tudo aquilo que ela está dizendo é mentira também é essencial, mas para isso, pensando bem, ninguém precisa ser paranormal. O triste do jornalismo é que se publica, em nome da objetividade dos fatos, apenas o que a autoridade fala, não o que transmite no olhar.

Bom repórter, segundo os manuais, é aquele que fura os coleguinhas, tem trânsito livre nos corredores do poder, é chamado pelo nome pelas autoridades do primeiro escalão numa coletiva, e almoça com a fonte. Nas redações, jornalista que trabalha 16 horas por dia e atende sem reclamar às convocações para trabalhar no fim de semana provoca orgasmos. Nunca recebe hora extra, porque jornalismo é, acima de tudo, uma religião.

Os jornalistas que vivem em Brasília se dividem em dois grupos. O primeiro é o dos que acreditam que o jornalismo é a única coisa importante da vida. Aspiram intimidade com o poder e, às vezes, cargos. Nas redações, às vezes conquistam efêmeras chefias que lhes dão certos privilégios sobre os repórteres. Só que todo jornalista chefe é também chefiado, e o chefe supremo não é, na verdade, jornalista: é empresário.

O segundo grupo é o dos que chegam aos 30, 40, 50 anos e se aposentam (isto quando não morrem antes, geralmente por problemas cardíacos) sempre repetindo para si mesmos que um dia abandonarão o jornalismo para "fazer o que gostam". Eles geralmente pensam que gostam de coisas exóticas. Sonham em morar numa praia deserta, criar cabras, abrir um restaurante, comprar um sítio, escrever peças de teatro. Mas são uns ingênuos. O que gostam mesmo é do jornalismo, só que não sabem disso.

Jornalista sofre, mas se diverte. Nada como uma festa no sábado, onde rola muito uísque, vinho e outras coisas. De vez em quando, alguém come alguém. A classe é muito fofoqueira e todo mundo fica sabendo, mas ninguém liga para isso. Até dá status. Afinal, quase todos têm casos mal resolvidos na vida. Jornalista se julga a elite da raça, e não é fácil encontrar um(a) companheiro(a) à altura. A solução é a rotatividade.

É uma pena que os jornais sejam tão sérios e quadradões. Se os repórteres escrevessem sobre tudo o que vivem, a imprensa seria muito mais divertida. Os repórteres continuariam paranóicos, mas pelo menos os leitores descobririam que ser jornalista é como ser mãe: é padecer no paraíso.





3) CHAPEUZINHO VERMELHO NA MÍDIA



Como seria a estória de Chapeuzinho Vermelho nas manchetes da imprensa brasileira hoje:




JORNAL NACIONAL

(William Bonner): Boa-noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem..

(Fátima Bernardes): ... mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia.



FANTÁSTICO

(Glória Maria): Que gracinha, gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo. Não é mesmo,querida?



CIDADE ALERTA

(Datena): Onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? A menina ia para a casa da avozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva! Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!Põe na tela! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não!! Põe na tela! Tem um "link" para a floresta, diretor?



ÉPOCA


Chapeuzinho exclusivo: "Acho que não foi tão perigoso assim"




CLÁUDIA

Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.



NOVA

Dez maneiras de levar um lobo à loucura.



MARIE-CLAIRE


Na cama com o lobo e a vovó.



O ESTADO DE S. PAULO


Fontes confirmam que o Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.




FOLHA DE SÃO PAULO


Legenda da foto: "Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador". Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.



VEJA

EXCLUSIVO! Ações do Lobo eram patrocinadas pelo governo Lula e o PT.


PÁGINAS AMARELAS DA VEJA

"Está claro que houve tentativa de quebra de sigilo bancário da Chapéu por parte de Dilma e Tasso Genro. Eles têm que cair. " - Arthur Virgílio



ESTADO DE MINAS

Chapeuzinho come o lobo enquanto o lenhador vai pra floresta com a vovó.



ZERO HORA

Avó de Chapeuzinho nasceu no RS.



AGORA

Sangue e tragédia na casa da vovó!



CARAS


(Ensaio fotográfico com Chapéuzinho na semana seguinte) Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: "Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa."





PLAYBOY:(Ensaio fotográfico no mês seguinte)


Veja o que só o lobo viu!



ISTOÉ

Gravações revelam que lobo foi assessor de influente político de Brasília.




G MAGAZINE: (Ensaio fotográfico com lenhador): "Lenhador mostra o machado".


Matéria: Lenhador mata o lobo e mostra o pau!




JORNAL DO ESTADO


Requião diz que lobo era agente da Monsanto e estava querendo embarcar soja transgênica pelo Porto de Paranaguá, enquanto que Chapeuzinho Vermelho queria cobrar pedágio para visitas à casa de sua avó. E que, graças a eficiência da polícia do Paraná, foram ambos presos numa batida na Vila Pinto.




O ESTADO DO PARANÁ


Ministério Público está investigando se Chapeuzinho e o Lobo são sócios de Toni Garcia.



GAZETA DO POVO : Leia tudo, amanhã, nos Classificados da Gazeta.



O FUXICO


A toca do Lobo era na mata atrás da casa do Marcos Valério.

13 junho 2006

Para Corrigir Velhos Ditados

É dando.................................... que se engravida.

Quem ri por último..................... é retardado.

Alegria de pobre........................ é impossível.

Quem com ferro fere.................. não sabe como dói. E pode ser preso.

Sol e chuva.............................. vou sair de óculos escuros e guarda-chuva.

Em casa de ferreiro.................... só tem ferro.

Devo, não pago......................... nego enquanto puder.

Quem tem boca vai................... ao dentista.

Gato escaldado ........................ morre.

Quem espera........................... sempre cansa.

Quando um não quer................ o outro insiste.

Os últimos................................ serão desclassificados.

Carro a álcool......................... você ainda vai empurrar um.

Se Maomé não vai à montanha................... então vai à praia.

Diz-me com quem andas..................... que te direi se vou contigo.

Quem não tem cão........................... não gasta dinheiro com veterinário.

Há males.....................................que vêm para pior.

Há males que vêm para o bem.........................mas a maioria vêm para o mal mesmo.

É nos pequenos frascos........................................ que cabe menos perfume.

Em terra de cego.....................................quem tem um olho é ciclope ou caolho. E ainda tá fudido, por que tudo é escrito em braille.

Quem não deve...................................................não precisa pagar.

Mas vale um pássaro na mão .....................................do que dois cagando na minha cabeça.

Em rio que tem piranha...................................................... jacaré usa camisinha.

Água mole em pedra dura...................................... tanto bate até que acaba a água.

De onde você pensa que não vai sair nada.......................é daí que não sai nada mesmo!

A esperança e a sogra.........................são as últimas que morrem.

Depois da tempestade...........................vem a gripe.

Devagar.......................................nunca se chega.

Antes tarde.................................do que mais tarde.

Quem cedo madruga.................fica com sono o dia inteiro.

Pau que nasce torto.................mija fora da privada.

12 junho 2006

Péssimo Aluno

O cara tinha alergia à escola desde o Jardim da Infância, e asim que teve chance, abandonou a escola. Muitos anos se passaram, e um dia ele morreu e foi pro Céu, porque apesar de ignorante, tinha bom coração.

Chegando lá, após breve entrevista, São Pedro recomendou que ele ficasse 15 dias na ala dos filósofos, para aprimorar a cultura.

No dia seguinte, preocupado com a decisão que tinha tomado, São Pedro foi até a ala dos filósofos, e pela fresta da janela surpreendeu Confúcio conversando com o novato.

O velho sábio estava com uma péssima aparência, mais amarelo que nunca, e, profundamente irritado, dedo em riste, gritava:

-Presta atenção, porque é a última vez que repito:

1) Platão não é aumentativo de prato;

2) Epístola não é a mulher do apóstolo;

3) Eucaristia não é o aumento do custo de vida;

4) Cristão não é um Cristo grandão;

5) Encíclica não é bicicleta de uma roda só;

6) Quem tem parte com o diabo não é diabético;

7) Quem trabalha na Nasa não é nazista;

8) Jesus Cristo morreu na Galiléia, e não de gonorréia;

9) Annus Domini nada tem a ver com o cu do Papa;

10) E meu nome é Confúcio ... Pafúncio é a puta que te pariu!

Padre não mente

Uma senhora está voltando de uma viagem internacional. No avião, ela senta-se ao lado de um padre e conversam.

Ao chegar no aeroporto, a senhora lhe faz um pedido:

- Sr. Padre, eu comprei um depilador elétrico novo. O senhor se importa de escondê-lo debaixo da batina, só para o caso de uma revista na alfândega?

O padre responde:

- Será um prazer atendê-la, minha senhora, mas aviso que se me perguntarem, eu não sei mentir.

A mulher aceita e torce para que ninguém pergunte nada. Na alfândega, um fiscal aborda o padre:

- Alguma coisa a declarar, Sr. Padre?

- Da cabeça até a cintura não tenho absolutamente nada.

- E embaixo? - pergunta ao padre o fiscal, desconfiado.

- Ah, embaixo, só um instrumento para mulheres, que nunca foi utilizado.

O fiscal corou, e rindo, disse:

- Passageiro seguinte, por favor!

11 junho 2006

Quem foi Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta?






















Um gênio capaz de manter a atualidade, mesmo nesse começo do século XXI, quando a “máquina de fazer doido” deixou de ser a TV - como ele a definia - e passou a ser o PC.

No início do Febeapá, talvez a sua obra mais famosa, escrita nos anos 60, ele afirma:

“É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da "redentora", cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem "otoridades", sentindo a oportunidade de aparecer, já que a "redentora", entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar. (Febeapá 1, p.5)

Pra quem não sabe, os “cocorocas” da época seriam os “panacas” atuais.

Aqui,uma Série especial sobre esse cronista mundano,que deixou um retrato fiel do Rio de Janeiro de sua época. Postei aqui alguns textos,pois acho que vale a pena manter o registro de um estilo de humor que é eterno como a Cidade Maravilhosa.

No excelente site Releituras http://www.releituras.com/index.asp realmente encontramos"Os melhores textos dos melhores escritores", e portanto, Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta, não poderia ficar de fora.

Confira: http://www.releituras.com/spontepreta_bio.asp

Nome: Stanislaw Ponte Preta

Sérgio Porto


Nascimento: 11/01/1923

Natural: Rio de Janeiro - RJ

Morte: 29/09/1968

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

”Sérgio Porto, por ele mesmo, "Auto-retrato do artista quando não tão jovem"

"ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.

OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.

PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.

QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.

PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.

ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.

PANACÉIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.

SUPERSTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.

TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.

MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).

ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.

Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963."

Filho de Américo Pereira da Silva Porto e de D. Dulce Julieta Rangel Porto, Sérgio Marcos Rangel Porto, um cidadão acima de qualquer desfeita, nasceu no Rio de Janeiro em pleno verão, no dia 11 de janeiro de 1923, e ficou famoso anos depois sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, emprestado à Oswald de Andrade (vide Memórias de Serafim Ponte Grande). Foi casado com Dirce Pimentel de Araújo, com quem teve três filhas: Gisela, Ângela e Solange.

Dizem seus estudiosos que no citado livro teria encontrado seu grande filão: a irreverência.

Começou uma obra carioquíssima, até hoje insuperável, transpondo para jornais, livros e revistas o saboroso coloquial do Rio de Janeiro. Afirmam, também, que as melhores crônicas são aquelas onde a disposição de desfazer o sentido de uma palavra ou de uma situação não se manifesta apenas no final do enredo, mas parece atingir a estrutura da narrativa; quer dizer, a partir de pistas falsas, a história é conduzida visando a um final que não acontece, substituído por outro, totalmente inesperado (vejam Menino Precoce e A Charneca, por exemplo).

Era um mestre das comparações enfáticas:"Mais inchada do que cabeça de botafoguense""Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas""Mais suado do que o marcador de Pelé""Mais duro do que nádega de estátua""Mais feia do que mudança de pobre""Mais murcho do que boca de velha".

Traçou, em 12 palavras, o retrato de uma época , os tais anos dourados nada permissivos, quando o preconceito prevalecia, principalmente em matéria de sexo:

"Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça". Antes da liberação sexual, as praças e outros cantinhos escuros eram, então, um buzinaço.

Criador de Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, foi com seu Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.

Outras besteiras colhidas pelo autor:"No mesmo dia em que o governo resolvia intervir em todos os sindicatos, resolvia mandar uma delegação à 16a. Sessão do Conselho de Administração da OIT, em Genebra. Ao Brasil caberia exatamente fazer parte da Comissão de Liberdade Sindical.Na mesma ocasião, um time da Alemanha Oriental vinha disputar alguns jogos aqui e então o Itamarati distribuiu uma nota avisando que eles só jogariam se a partida não tivesse cunho político. Em Mariana, MG, um delegado de polícia proibia casais de se sentarem juntos na única praça namorável da cidade, baixando portaria dizendo que moça só podia ir ao cinema com atestado dos pais. Em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios. Dali em diante quem dissesse mais de três palavrões ia preso."

Na mesma época (1954) em que o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete a lista das "Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano", Stanislaw, que escrevia na mesma revista sobre teatro-rebolado, não quis ficar por baixo e inventou a lista das "Mulheres Mais Bem Despidas do Ano". Com a grita das mães das vedetes, passou a usar uma expressão ouvida de seu pai -- "Olha só que moça mais certa" -- e estavam, assim, criadas as "certinhas" do Lalau. De 1954 a 1968 foram 142 as selecionadas. Dentre outras, podemos citar Aizita Nascimento, Betty Faria, Brigitte Blair, Carmen Verônica, Eloina, Íris Bruzzi, Mara Rúbia, Miriam Pérsia, Norma Bengell, Rose Rondelli, Sônia Mamede e Virgínia Lane.

Ao contrário do que parecia ser - um cara folgado, brincalhão, gozador e pouco chegado ao labor, Sérgio Porto, por suas inúmeras atribuições, era um lutador. Nos últimos anos de vida tinha uma jornada nunca inferior a 15 horas de trabalho por dia."Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio. Hoje fui gravar na televisão e antes foi aquela batalha contra as teclas. Estou trabalhando demais, outra vez. Só para esta semana: seis Stanislaws, um Fatos & Fotos, um final apoteótico para o novo programa do Chico Anísio, roteiro e script para aquela bosta chamada Espetáculos Tonelux, depois quadros humorísticos para a TV Rio, Miss Campeonato, Da Boca pra Fora, o programa de rádio Atrações A-9, além da revisão do livro O Homem ao Lado que será reeditado no próximo mês e da gravação do programa Qual é o assunto?" Para alguém que teve seu primeiro infarto ao 36 anos, era demais.

"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras ditas pelo autor ao sofrer seu derradeiro infarto, no dia 29 de setembro de 1968.

Paulo Mendes Campos, o excelente e tão esquecido cronista mineiro, traça um perfil do autor em um texto cheio de humor e de dor pelo falecimento de Stanislaw Ponte Preta (in "O Anjo Bêbado", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1969, pág. 7).



SÉRGIO E STANISLAW PONTE PRETA

O diabo o é que todo mundo pensa que sou um cínico; ninguém acredita que sou um sentimentalão que não agüenta uma gata pelo rabo.

Sérgio me dizia isso a milhares de metros de altitude, copo de uísque na mão, rumo a Buenos Aires. Ao saber que eu tinha resolvido assistir ao jogo Brasil e Uruguai, no Campeonato Pan-Americano de 1959, veio procurar-me com uma ansiedade incomum: precisava afastar-se do Rio de qualquer jeito, me disse, tinha decisivos assuntos íntimos sobre os quais queria pensar.Sendo assim, por que ir a Buenos Aires? Não fiz a pergunta por entendê-lo: Sérgio possuía o talento de viver em diversas faixas ao mesmo tempo; Buenos Aires lhe calhava numa instância de decisões pessoais porque o recolhimento do hotel se somava aos benefícios do torneio de futebol, da companhia dos amigos, das anedotas jornalísticas e até mesmo dos restaurantes portenhos.

Já dentro do avião, nessa ou em qualquer outra viagem, desligado de suas duras obrigações, transformava-se: mesmo roído por dentro, a gratuidade do instante era boa demais para não ser aproveitada. Sempre que uma aeromoça lhe perguntava se queria um sanduíche ou um refrigerante, respondia alegremente com uma frase que ouviu de Bili Blanco: "Quero tudo a que eu tenha direito." E era verdade.

Na chegada a Buenos Aires, houve uma dessas súbitas situações cômicas criadas por aquele homem carregado de conflitos: avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: "Vacunación, señor." Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: "Vacunación para usted también?" O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: "Agüenta a mão, se não a gente acaba em cana."

O dom mais surpreendente de Sérgio era esse trânsito livre entre as manifestações da vida. Ainda no dia de nossa chegada a Buenos Aires, eu o veria em atitudes múltiplas: durante o jogo dramático entre o Brasil e o Uruguai (o três a um da briga), ele deu um empurrão nos peitos dum argentino que insultava os brasileiros, chorou quando Paulo Valentim fez o terceiro gol, riu-se às gargalhadas quando o Garrincha passou indiferente entre uruguaios e entrou no ônibus com um sanduíche enorme na boca e outro na mão; e ainda conversou longamente comigo sobre suas aflições, depois de cear com entusiasmo.

Quando acordei, ele já andava pelo saguão, depois de ler os jornais todos, à cata de histórias do Mendonça Falcão - a máquina já destampada no quarto.

Fiquei seu amigo há mais de vinte anos, quando ele escrevia crônicas de música popular para a revista Sombra. Bonito, forte, elegante, inteligente, alegre, simpático - era um privilegiado sem ostentação. Só lhe faltava o dinheiro, como de resto ao grupo todo: mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.

Eustáquio Duarte, Lúcio Rangel, Luís Jardim, Cássio Fonseca, Jarbas Duarte eram diariamente pontuais no Pardellas; Zé Lins do Rego, Rosário Fusco, Santa Rosa, Jaime Adour da Câmara, Flávio de Aquino, Simeão Leal, Luis Santa Cruz e outros apareciam com freqüência. O jazz negro era o nosso alimento: Sérgio e seu tio Lúcio Rangel ensinaram ao resto da turma o que era puro nesse setor e o que se contaminara.

Por um momento, numa fase financeira mais dura, quase o acompanhei num gesto até certo ponto desesperado: o de escrever programas de rádio. Para ele foi o início duma vida de sucesso profissional e cruel desgaste físico. Na imprensa, no rádio e na televisão do Brasil a ascensão se confunde com a queda. Sucesso nesse terreno não é poder trabalhar menos e ganhar o suficiente: é trabalhar sempre mais. Vitorioso no Brasil é o jornalista que sempre encontra mercado de trabalho; e não preços mais altos. Só chega ao chamado certo nível de vida somando diversas atividades corrosivas.

O humorista começou a surgir no semanário Comício, excelente escola de descontração do estilo jornalístico, dirigido por Rubem Braga, e Joel Silveira, onde escreviam ainda Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Rafael Correia de Oliveira, Carlos Castelo Branco, Edmar Morel, onde também apareceram as primeiras crônicas de Antônio Maria e as primeiras reportagens de Pedro Gomes.

Digo o humorista profissional, porque o da convivência com os amigos vinha do tempo das peladas em Copacabana: Sandro Moreira, João Saldanha, Mauricinho Porto, George Rangel, Máriozinho de Oliveira, Carlos Peixoto e Carlinhos Niemeyer são alguns que se lembram das histórias engraçadas de Sérgio, o Bolão.

Sua vivacidade era tão instantânea que sempre a aceitei com naturalidade. Espantava-me, isto sim, seu discernimento, agudo, preciso, a respeito de tudo: uma canção, um cantor, um vestido, um quadro, uma atmosfera, uma situação complicada. Dizia em cima a palavra exata, a observação certa, o julgamento justo.

O contraditório é que pudesse fazer humorismo uma pessoa que possuía tanto senso das proporções e da verdade escondida. Seu humorismo, bem reparado, não era o usual, pelo contrário, ele fazia humor sem caricaturar o assunto. Bernard Shaw, quando queria fazer graça, dizia a verdade. Ele também fez graça falando verdades, descobrindo verdades, tendo a coragem de ser odiado por dizê-las.

Como todo homem de sensibilidade, precisava de amigos e afeto; mas desprezava os mesquinhos, os medíocres, os debilóides, os cretinos.

Seu gosto era certo. Amava os livros e os discos, milhares de discos, discos que ouvia às vezes enquanto trabalhava, atendendo ao telefone a todo instante, recebendo amigos, contando piadas, e continuando a batucar na máquina, insistindo para que o visitante ficasse, sob a afirmação (verdadeira) de que estava acostumado a escrever no meio da maior confusão.

Eu, que apesar de tarimbado, já começo a ficar afobado no fim deste mal enramado artigo, com a redação querendo saber se já pode mandar buscá-lo, lembro a tranqüilidade de Sérgio no meio do caos, e não entendo o segredo que o dotou ao mesmo tempo de extraordinária capacidade de trabalho e da calma que deve ser a dos monges tibetanos.

De que morreu Sérgio Porto? Do coração e do trabalho.

No fim do ano passado, nas vésperas de Natal, estivemos juntos em Brasília: ele se lamentou o tempo todo no dia da volta, dizendo que ficaria ali, na ociosidade do hotel, por um tempo indeterminado. Foi difícil arrancá-lo da cama ao anoitecer. Este ano viajamos novamente juntos para São Paulo e Belo Horizonte. Foi a mesma coisa. Queria descansar, transfigurando-se no repouso, encarando com horror as atividades que o esperavam no Rio.

Na nossa última noite em Belo Horizonte, ele, Fernando, Rubem, Gérson Sabino e eu jantamos num restaurante muito bonito, que tinha de tudo, menos comida mineira. Sérgio reclamou tristemente durante todo o jantar. Queria arroz, feijão, couve, lingüiça.

Não sei por que essa lembrança me comove e serve para fechar esta página que eu não queria triste. Que a tristeza fique conosco, os amigos que o amavam.

Bibliografia:


Como Stanislaw Ponte Preta:


- Tia Zulmira e Eu - Editora do Autor, 1961

- Primo Altamirando e Elas - Editora do Autor, 1962

- Rosamundo e os Outros - Editora do Autor, 1963

- Garoto Linha Dura - Editora do Autor, 1964

- FEBEAPÁ 1 (Primeiro Festival de Besteira Que Assola o País), Editora do Autor, 1966

- FEBEAPÁ 2 (Segundo Festival de Besteira Que Assola o Pais), Editora Sabiá, 1967

- Na Terra do Crioulo Doido - FEBEAPÁ 3 - A Máquina de Fazer Doido - Editora Sabiá, 1968


Com o nome de Sérgio Porto:

- A Casa Demolida - Editora do Autor/1963 (Reedição ampliada e revista de O Homem ao Lado - Livraria. José Olympio Editores)

- As Cariocas - Editora Civilização Brasileira, 1967


Sobre o autor:

- Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta, Renato Sérgio, Ediouro, Rio de Janeiro, 1998.”
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Tia Zulmira E Eu (Stanislaw Ponte Preta)

PREFÁCIO DE SÉRGIO PORTO

Quando os diretores da Editora do Autor me entregaram os originais de “Tia Zulmira e Eu." para prefaciar, justificaram a incumbência dizendo que ninguém melhor do que eu conhece a obra e o autor. De fato, Stanislaw Ponte Preta foi criado junto comigo e, praticamente, é meu irmão de criação. Moramos na mesma casa, tivemos a mesma infância e muitas vezes comemos no mesmo prato.

Hoje, no entanto, embora vivendo ambos do jornalismo, já não somos tão ligados: raramente nos vemos, poucos são os nossos gostos comuns e acredito que seria uma temeridade da minha parte se continuasse companheiro fraterno do irrequieto autor deste livro, nas suas andanças e intemperanças por este mundo de Deus.

Stanislaw surgiu na imprensa por uma contingência da própria imprensa.Foi numa época em que os cronistas mundanos dominavam as páginas dos jornais, com suas colunas cheias de neologismos e auto-suficiência. Antes disso – segundo suas próprias palavras - só assinam promissórias. Convidado, porém, para ser mais um cronista mundano,num jornal que não se perdoava o fato de não ter, no seu corpo de redatores, um inventor de palavras e expressões como "piu-piu","champanhota", "fúria louca", "bola branca", "flor azul" e outras baboseiras, Stanislaw aceitou a incumbência, com a condição de não se ater aos vazios personagens do "café-society", estendendo sua coluna até outros setores, inclusive o do "divertissement”, que ele mais tarde classificaria como "teatro rebolado".

Lembro-me perfeitamente dos preparativos de estréia do então desconhecido Stanislaw.Achava que, acima de tudo, devia ser petulante, para competir com as cronistas mundanos, que - no seu entender - por mais importante que fosse a notícia publicar, falavam sempre de si mesmos antes de dar a notícia. Coisas como "este colunista está seguramente informado" ou "confirmando mais um furo deste colunista” etc,etc.

Stanislaw nesse setor foi incomparável: ninguém conseguiu (e acredito que ninguém conseguirá) ultrapassá-lo em auto-importância. E as expressões que criou acabaram ganhando mundo, como o já citado “teatro rebolado”, o “picadinho-relations” e outras mais, sem contar o "bossa-nova", que já merece dicionário.

Este "Tia Zulmira e Eu", que andei folheando, porque não suporto uma leitura mais detida dos escritos do autor, talvez. porque me sinta comprometido com suas irreverências - afinal fomos criados juntos - é um apanhado, com certo critério de seleção, das coisas que andou dizendo, das idéias que andou espalhando em vários jornais e revistas do Rio. Sua Tia Zulmira, senhora respeitável que conheço e admiro,entra nele "en passant". 0 autor,com sua irreverência, não se peja de comprometer a parenta em tão levianos escritos.

Foi esta, aliás, a razão do afastamento que hoje mantenho de Stanislaw. 0 leitor há de - por força - compreender o quanto é comprometedora,para um jornalista modesto e que tem esperanças de ser levado a sério, a companhia constante de amigo tão atrabiliário, E já aqui me apresso a terminar este prefácio, temendo que - ao lê-lo -o autor acrescente mais uma página no fim do livro, para chamar o prefaciador de cocoroca.

SÉRGIO PORTO

(Tia Zulmira E Eu, 7ª Edição, 1979, págs 7 a 9, Ed. Civilização Brasileira)

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Perfil de Tia Zulmira (Stanislaw Ponte Preta)

QUEM se dá ao trabalho de ler o que escreve Stanislaw Ponte Preta - e quem me lê é apenas o lado alfabetizado da humanidade - por certo co­nhece Tia Zulmira, sábia senhora que o cronista cita abundantemente em seus escritos, E a preo­cupação dos leitores é saber se essa Tia Zulmira existe mesmo.

Pouco se sabe a respeito dessa ex-condessa prus­siana, ex-vedete do "Follies Bergère" (coleguinha de Colette), cozinheira da Coluna Prestes, mulher que deslumbrou a Europa com sua beleza, encantou os sábios com a sua ciência e desde menina mostrou-se personalidade de impressionante independência, tendo fugido de casa aos sete anos para aprender as primeiras letras, pois na época as mocinhas – em­bora menos insipientes do que hoje - só começavam a estudar aos 10 anos, Tia Zulmira não resis­tiu ao nervosismo da espera e, como a genialidade borbulhasse em seu cérebro, deu no pé.

Quando a revista “SR." recomendou uma en­trevista exclusiva com titia, conhecida em certas rodas como a “Ermitã da Boca do Mato", cobriu as propostas de "Paris Match", de "Life" e da "Revis­ta do Rádio".

Esta é a entrevista.

SENTADA em sua velha cadeira de balanço - presente do primeiro marido - Tia Zulmira tri­cotava casaquinhos para os órfãos de uma instituição nudista mantida por D. Luz DeI Fuego. E foi assim que a encontramos (isto é, encontramos titia), na tarde em que a visitamos, no seu velho casarão da Boca do Mato.

Antiga correspondente do “Times” (1) na Jamaica,a simpática macróbia é dessas pessoas fáceis de entrevistar porque, pertencendo ao métier, facilita o nosso trabalho, respondendo com clareza e desdobrando por conta própria as perguntas, para dar mais colorido à entrevista.

- Sou natural do Rio mesmo – explicou - ­e isto eu digo sem a intenção malévola de ofender os naturais da província. Fui eu, aliás, que fiz aquele verso no samba de Noel Rosa, verso que diz: Modéstia à parte, meus senhores, eu sou da Vila.

E é. Tia Zulmira mostra o seu registro de nas­cimento, feito na paróquia de Vila Isabel. Documen­to importante e valioso, pois uma das testemunhas é a própria Princesa Isabel (antigamente a “Reden­tora" e hoje nota de 50 cruzeiros). Ela explica que sua mãe foi muito amiga da Princesa, tendo mesmo aconselhado à dita que assinasse a Lei Áurea (di­zem que o interesse dos moradores da Vila em liber­tar os escravos era puramente musical. Queriam fun­dar a primeira escola de samba).

- Por que se mudou de Vila Isabel para a Boca do Mato? - indagamos.

- Por dois motivos. O primeiro de ordem econômica, uma vez que esta casa é a única coisa que me sobrou da herança de papai e que Alcebíades (2) não perdeu no jogo. O outro é de ordem estética. Saí de Vila Isabel por causa daquele busto de Noel Rosa que colocaram na Praça. É de lascar.

- O que é que tem o busto?

- O que é que tem? É um busto horrível. E se não fosse uma falta de respeito ao capital colonizador, eu diria que é um busto mais disforme do que o da Jayne Mansfield.

Tentamos mudar de assunto,procurando novas facetas para a entrevista, e é ainda a entrevistada quem vai em frente, mostrando um impressionante ecletismo. Fala de sua infância, depois conta casos da Europa, quando saiu daqui em 89, após impressionante espinafração no Marechal Deodoro (3), que proclamara a República sem ao menos consultá-la.

Não que Tia Zulmira fosse uma ferrenha monarquista. Pelo contrário: sempre implicou um pouco com a Imperatriz (achava o Imperador um bom papo) e teria colaborado para o movimento de 89, não fosse os militares da época, quase tão militares como os de hoje.

- Hoje estou afastada da política, meu amigo, embora, devido mais a razões sentimentais, eu pertença ao PLC. (4)

Fizemos um rápido retrospecto dos apontamentos até ali fornecidos. A veneranda senhora sorri, diz que assim não vamos conseguir contar sua vida em ordem cronológica e vai explicando outra vez, com muita paciência: Nasci no dia 29 de fevereiro (5) de 1872. Aprendi as primeiras letras numa escola pública de São Cristóvão, na época São Christovam e com muitas vagas para quem quisesse aprender...

O resto nós fomos anotando:

Mostrou desde logo um acentuado pendor para as artes, encantando os mestres com as anotações inteligentes que fazia à margem da cartilha. Completou seus estudos num convento carmelita, onde aprendeu de graça, numa interessante troca de ensinamentos com as freiras locais: enquanto estas lhe ministravam lições de matérias constantes do curso ginasial, Tia Zulmira lhes ministrava lições de liturgia.

Mocinha, partiu para a Europa, para aproveitar uma bolsa de estudos, ganha num concurso de pernas; então foi morar em Paris, dividindo o seu tempo entre o “Follies Bergère” e a “Sorbonne”. Nessa Universidade, concedeu em ser mestra de Literatura Francesa, proporcionando a glória a um de seus mais diletos discípulos, o qual ela chamava carinhosamente de Andrezinho.

Tia Zumira suspende por momentos o relato de sua vida para lembrar a figura de Andrezinho, que vocês conhecem melhor pelo nome completo: André Gide.

Tia Zulmira prossegue explicando que, aos vinte e poucos anos, casou-se pela primeira vez, unindo-se pelos laços matrimoniais a François Aumert – o Cruel. O casamento terminou tragicamente, tendo Aumert morrido vítima de uma explosão, quando auxiliava a esposa numa demonstração de radioatividade aplicada, que a mesma fazia para Mme. Curie.

A hoje encanecida senhora lamentou profundamente a inépcia do marido para lidar com tubos de ensaio e, desgostosa, mudou-se para Londres, aproveitando a deixa para disputar a primeira travessia a nado do Canal da Mancha. Houve quem desaprovasse essa decisão, dizendo que não ficava bem a uma jovem de boa família se meter com o Canal da Mancha. A resposta de Tia Zulmira é até hoje lembrada.

- O Canal da Mancha não pode manchar minha reputação. Na minha terra, sim, tem um canal que mancha muito mais. (6)

E ela acabou atravessando a Mancha mesmo, chegando em terceiro, devido à forte cãimbra que a atacou nos últimos 2 mil metros. Fez um jacaré na arrebentação da última onda e chegou a Londres para mirar numa pensão em Lambeth, onde viveu quase pobre, apenas com os sustentos de uma canção que fez em homenagem ao bairro. (7)

Na pensão, onde morava nossa entrevistada, vivia no quarto ao lado o então obscuro cientista Darwin, o com ela manteve um rápido flerte. Proust (8), cronista mundano francês que esteve em Londres na época, chegou a anunciar um casamento provável entre Tia Zulmira e Darwin, mas os dois acabaram brigando por causa de um macaco.

- Em 1913, onde estava eu? – pergunta Tia Zulmira a si mesma, olhando os longes com olhar vago.

Lembra-se que houve qualquer coisa importante em 1913 e, de repente, se recorda. Em 13, atendendo a um convite de Paderewski, passou uma temporada em Varsóvia, dando concertos de piano a quatro mãos com o futuroso músico, que deve a ela os ensinamentos de teoria musical.

Quando o primeiro conflito mundial estourou, ela estava em Berlim e teria ficado retida na capital alemã, não fosse a dedicação de um coleguinha (9), que lhe arranjou um passaporte falso para atravessar a fronteira suíça.

Durante a I Grande Guerra, a irrequieta senhora serviu aos aliados no Serviço de Contra-Espionagem, tornando-se a grande rival de Mata-Hari, mulher que não suportava Zulmira e – muito da fofoqueira – tentou indispor a distinta com diversos governos europeus. Zulmira foi obrigada a casar-se com um diplomata neozelandês de nome Marah Andolas – para deixar o Velho Mundo.

É interessante assinalar que este casamento, motivado por interesse, acabou por se transformar em uma união feliz. O casal viveu dias esplendorosos em São Petersburgo, infelizmente interrompidos por questões políticas.A revolução russa de 17 acabou por envolver o bom Andolas. O marido de Tia Zulmira foi fuzilado pelos comunistas de Lenine, somente porque conservava o hábito fidalgo de usar monóculo, sendo confundido com a burguesia reacionária que a revolução combatia.

Morto Andolas, Tia Zulmira deixou a Rússia completamente viúva, após uma cena histórica com Stalin e Trotsky, quando, dirigindo-se aos dois, exclamou patética:

- Vocês dois são tão calhordas que vão acabar inimigos.

Dito isto, Zulmira virou as costas e partiu, levando consigo apenas a roupa do corpo e o monóculo do falecido. Chegou ao Brasil pobre, mas digna, e a primeira coisa que fez foi empenhar o monóculo na Caixa Econômica, sendo o objeto, mais tarde, arrematado em leilão pelo pai do hoje Embaixador Décio de Moura, que o ofertou ao filho, no dia em que este passou no concurso para o Itamarati.

Zulmira estaria na miséria se uma herança não viesse ter às suas mãos. O falecimento de seu bondoso pai – Aristarco Ponte Preta (o Audaz) – ocorrido em 1920, proporcionou-lhe a posse do casarão da Boca do Mato, onde vive até hoje. Ali estabeleceu ela o seu habitat, disposta a não mais voltar ao Velho mundo, plano que fracassaria dez anos depois.

Tendo arrebentado um cano da Capela sistina, houve infiltração de água numa das paredes e – em nome da Arte – Zulmira embarcou novamente para a Europa, a fim de retocar a pintura da dita.

Como é do conhecimento geral, ali não é permitida a entrada de mulheres,mas a sábia senhora,disfarçada em monge e com um pincel por debaixo da batina, conseguiu penetrar no templo e refazer a obra de Miguel Ângelo, aproveitando o ensejo para aperfeiçoar o mestre. Este episódio, tão importante para História das Artes, não chegou a ser mencionado por Van Loon, no seu substancioso volume,porque,inclusive, só está sendo revelado agora, nessa entrevista.

Nessa sua segunda passagem pela Europa, Tia Zulmira ainda era uma coroa bem razoável e conheceu um sobrinho do Tzar Nicolau, nobre que a revolução russa obrigou a emigrar para Paris e que, para viver, tocava balalaika num botequim de má fama. Os dois se apaixonaram e foram viver no Caribe, onde casaram pelo facilitário. O sobrinho do Tzar, porém, não era dado ao trabalho e Tia Zulmira foi obrigada a deixá-lo, não antes sem explicar que não nascera para botar gato no foguete de ninguém.

Voltou para o Rio, fez algumas reformas no casarão da Boca do Mato e vive ali tranquilamente, com seus quase 90 anos, prenhe de experiência e transbordante de saber. Vive modestamente, como lucro dos pastéis que ela mesma faz e manda por um de seus afilhados vender na estação do Méier. No sei exílio voluntário, está tranqüila, recebendo suas visitinhas, ora cientistas nucleares da Rússia, ora Ibrahim Sued, que ela considera um dos maiores escritores da época. (10)

A velha dama pára um instante de tecer o seu croché, oferece-nos um “Fidel Castro” (11) com gelo. É uma excelente senhora esta, que tem a cabeça branca e o olhar vivo e penetrante das pessoas geniais.

(1) Não confundir “Times” – jornal inglês – no plural, com “Time” - revista americana – das menos singulares.

(2) Oitavo marido de Tia Zulmira.

(3) Hoje bairro que explode.

(4) Partido Lambretista Conservador.

(5) Tia Zulmira é bissexta.

(6) Mangue

(7) The Lambeth Walk. (Existe uma versão de Haroldo Barbosa.)

(8) Certa vez um cronista mundano, para valorizar suas próprias besteiras, disse que Proust, antes de ser Proust, foi cronista mundano. Tia Zulmira gozou a coisa, dizendo que Lincoln também foi lenhador e, depois dele, nenhum outro lenhador conseguiu se eleger Presidente da República.

(9) Einstein.

(10) Aqui não ficamos bem certos se Tia Zulmira estava querendo gozar Ibrahim, ou se estava querendo gozar a época.

(11) Cuba Libre sem Coca-Cola.

(Tia Zulmira E Eu, págs 11ª 19, 7ª edição, 1979, Ed Civilização Brasileira)

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Biografia de Mirinho (Stanislaw Ponte Preta)


PRIMO Altamirando é nosso consangüíneo apenas por parte de pai, como aliás devem ser todos os parentes.Porque consangüíneos por parte de pai e de mãe, só mesmo irmãos, pois primos que casam com primos, dá sempre em bronca. Tia Zulmira costuma dizer: Padres, Primos e Pombos – os dois primeiros não servem para casar, os dois últimos só servem para sujar a casa. Como sempre, a velha tem razão.

Assim o nosso abominável parente é primo por parte de pai (Gumercindo Tenório Ponte Preta), mesmo porque, nunca teve mãe. Um dia Gumercindo entrou em casa com um embrulho debaixo do braço, um embrulho de jornal – se não nos falha a História, o jornal O Dia – e disse para Tia Zulmira:

- Trouxe isto para você, Mamãe.

Como Gumercindo nunca fora de dar nada a ninguém, todos correram para ver o que era. Desembrulharam o presente – era Mirinho. Tio Gumercindo tinha trazido a criança para a velha criar na sua chácara da Boca do Mato, recusando-se solenemente a dizer quem era a mãe (de Mirinho, naturalmente), talvez encabulado com o que andara fazendo 9 meses antes do episódio ora relatado.

Hoje Tia Zulmira defende a tese de que Mirinho é de chocadeira, porque um sujeito com um caráter deletério como é o do primo, não pode ter tido mãe de jeito nenhum. Mas passemos aos dados biográficos.

Mirinho nasceu no ano da desgraça de 1926.Para que vocês tenham uma idéia de como foi diferente o ano de 1926, basta lembrar que, nesse ano, o São Cristóvão foi campeão carioca. Aos cinco anos de idade Mirinho conseguiu um fato inédito na vida dos maus caracteres existentes em todo o mundo: foi expulso do Jardim da Infância. A professora pegou-o, no recreio, falando mal de São Francisco de Assis.

Graças aos mais rebarbativos processos de tortura chinesa, Mirinho conseguiu ao menos se alfabetizar, abandonando os estudos no 4º ano primário para fugir com a professora de Ciências Físicas e Naturais, matéria que fazia parte do curso na época e que o primo resolveu estudar a fundo, para tanto raptando a mestra e inaugurando sua vida amorosa de forma escandalosa, como – de resto – tem sido até hoje sua vida nesse setor.

Aos 15 anos era um esplêndido marginal, com curso intensivo do SAM e ninguém tinha dúvidas de que haveria de superar o pai nisso de ser inimigo de todos os códigos, desde o penal ao de trânsito. O pai tinha como uma de suas glórias a idéia que um dia deu ao Barão de Drumond, para inaugurar o jogo do bicho; o filho superava longe Gumercindo, tantas e tais foram as suas delinqüências juvenis.
A Secretaria de Agricultura do Estado da Guanabara deverá eternamente este serviço ao nefando parente: foi ele o primeiro sujeito a plantar maconha no Rio de Janeiro.

Querer ressaltar as principais fases da vida desse cretino é um pouco difícil, pois não houve ano em que não bolasse uma safadeza qualquer, dessas de encabular filisteu. Tinha 15 anos incompletos quando fez a primeira freira pular muro de convento e ainda menor impúbere mobilizou toda a polícia carioca para descobrir quem é que andava ajudando as adutoras do Guandu a furarem os canos com mais freqüência. Era ele.

As pequenas provas de um mau caráter, que as outras crianças costumavam dar com a idade de 10 aos 15 anos, Mirinho as deu ainda de fraldas, tais como botar o canarinho no liquidificador, amarrar e acender foguetão no rabo do gato, passar pimenta na dentadura da avó, atear fogo na saia da babá (a ama seca de Mirinho era boa que só vendo, e ele levou uma surra homérica do pai, porque ao botar fogo na saia dela, quase queima o principal).

Até mesmo Tia Zulmira, de natural tão compreensiva, perdeu a paciência com ele quando Mirinho ainda nem falava direito. A velha ficou justamente indignada porque Mirinho, na hora em que ela foi ao banheiro, para um proverbial banho de assento, colocou uma perereca no bidê.

Não queremos dar ao leitor uma impressão falsa do nosso biografado. Pelo contrário, aqueles que estiverem pensando o pior do Primo Altamirando, ainda estão longe de fazer idéia de como ele é. No entanto, tem bom coração. Quando Al Capone morreu - por exemplo – Mirinho usou gravata preta e fumo no braço durante um mês. Ficou muito sentido com o falecimento desse seu ídolo.

Nestes 35 anos de sua vida, já cometeu desatinos para uns dois séculos, no mínimo, e não há setor da sociedade em que tenha se metido sem deixar para sempre os vestígios de sua passagem.

Ainda rapazote, deu-se à lides esportivas, principalmente ao futebol. Foi o primeiro desportista a dar uma gruja ao adversário para amolecer o jogo.

Suas atividades políticas também são interessantes. Foi Mirinho quem aconselhou Ademar de Barros a largar a medicina para se dedicar à vida pública (não contente, fez a mesma coisa, alguns anos depois, com um médico muito alegrete de Diamantina, um tal Juscelino). Ainda como político, aconselhou as autoridades a reabrirem as câmaras de vereadores de todos os municípios brasileiros e correu o Brasil de norte a sul, ensinando aos edis eleitos a arte do jabaculê, da mamata e das grandes negociatas.

Teve grande influência nas redações de nossas principais folhas informativas, insistiu muito para que se desse uma oportunidade aos cronistas mundanos e fez ver aos secretários de redação que isso da imprensa orientar o povo é besteira. O ideal é dar destaque aos crimes hediondos, para o incremento dos mesmos e a conseqüente abundância de notícias para os jornais.

No dia em que descobriu que este seu primo Stanislaw estava fazendo sucesso na imprensa, fez um curso de jornalismo de araque e foi ser repórter policial. Há inclusive, neste livro, uma passagem de suas atividades como repórter policial.

- Plantar para colher! – costumava dizer o debilóide.

Mas hoje Primo Altamirando, embora nunca tivesse trabalhado, resolveu se aposentar. Abriu um escritório de corretagem, para contrabando, tráfico de entorpecentes e prostituição em massa. É do que vive, embora não precisasse disso, pois nunca deixou de ser gigolô de certas velhotas ricas da sociedade, que lhe dão do bom e do melhor, e lhe pagam em dólar, conforme ele mesmo exige, para não ficar desmoralizado no mundo do crime. Tem certeza de que poupa a humanidade porque poderia explorá-la muito mais.

Enfim: um homem realizado.

(Primo Altamirando E Elas, 6ª Edição,1980, págs 7 a 11, Ed. Civilização Brasileira)

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Biografia de Rosamundo (Stanislaw Ponte Preta)

ROSAMUNDO DAS MERCÊS - e o nome parece escolhido a dedo, pois sua proverbial distração deixa-o sempre à mercê de tudo - nasceu no Encantado, em 1922, ano do Centenário da Independência, ano em que o América F.C. conseguiu ser campeão, ano portanto não muito comum. Nasceu, aliás, de 10 meses e aí já vai um fato extraordinário, pois todo personagem que não é normal, geralmente é de sete meses. Rosa é de dez e há quem diga que isto já foi distração de sua parte: esqueceu de nascer.

Se é verdade ou não, não posso dar informe. Só sei que, realmente, nunca vi ninguém mais distraído: jamais conheci um camarada com tanta capacidade para entrar em frias por causa de sua abstração; em tempo algum haverá um sujeito de presença tão ausente.

Filho de Ignacio das Mercês (bicheiro) e Conceição de Tal (após o casamento ficou sendo também das Mercês, é óbvio) que era a lavadeira da tia Zulmira, Rosamundo é de origem humilde e teria se transformado num inútil qualquer, não somente por não ter posses para aprender, como também por ser incapaz de se fixar em coisa alguma, muito menos no erradíssimo plano de ensino do nosso querido Brasil. Não fosse a impressionante capacidade pedagógica de Tia Zulmira e o Rosa hoje era um marginal pela aí, talvez public relations, talvez um deputado, sei lá.

Deu-se que era ele quem levava a trouxa de roupa lavada do Encantado à Boca do Mato, onde reside a sábia parenta. Toda semana aparecia por lá, de alva trouxa à cabeça, sorriso simpático e ar jovial. Numa dessas vezes, houve eclipse de sol e tudo escureceu.

Distraído às pampas, quando viu que estava escurecendo, Rosamundo tratou de tirar a roupa e deitar-se. Suas ações sempre foram praticamente maquinais. Deitou-se no sofá da sala e dormiu logo, como sói acontecer com os inocentes. Distraído às pampas, nunca mais voltou para o Encantado.

Claro, Tia Zulmira poderia tê-lo alertado, Conceição poderia ter subido até a Boca do Mato para reclamar o filho mas, se Conceição subiu, ninguém sabe, ninguém viu. Sabe-se, isto sim, que titia, prenhe de boas intenções, praticamente adotou o rapazote e ensinou-lhe as primeiras letras, as primeiras noções de aritmética e acabou sendo sua mestra no trivial. Hoje Rosamundo tem até curso superior e só não exibe os diplomas porque sempre esqueceu de ir buscá-los ao final do curso.

Aos 20 anos Rosamundo teve o seu primeiro emprego no Ministério do Trabalho: oficial-de-gabinete do Ministro, emprego que durou apenas alguns meses, justamente o tempo que o Ministro levou para aparecer pela primeira vez no gabinete. O Rosa, que nunca tinha visto S. Exa. ali, perguntou:

- O senhor quer falar com o Ministro? - o Ministro, para gozá-lo, respondeu que sim e o Rosa estrepou-se, ao fazer esta justa, mas distraída observação:

- Então o senhor trate de procurá-lo em casa, pois o Ministro é um vagabundo e nunca aparece aqui.

Sua segunda arremetida no setor profissional foi mais desastrosa ainda. Por ser baixinho e leve, foi se jóquei e, na corrida de estréia, mal foi dada a saída, saiu com o cavalo para o lado contrário, vítima de mais uma crise de distração. Creio que não é preciso acrescentar que antes mesmo de desmontar do cavalo já estava despedido.

Daí para frente fez de tudo: foi garçom e serviu goiabada com molho ao vinagrete para um freguês; foi investigador de Polícia e um dia encanou o delegado e soltou um facínora; foi até aeromoço e neste emprego quase que morre. Um dos passageiros pediu cigarros e, como não havia a bordo, Rosamundo abriu a porta para ir comprar lá fora. O avião estava a 4 mil metros de altura e – felizmente – ele foi agarrado a tempo.

Tá na cara que um camarada distraído assim não dava certo em emprego nenhum e, de decadência em decadência, ele acabou arrumando um reles empreguinho de vendedor de bilhetes de loteria.

Foi a sua salvação: no primeiro dia logo esqueceu de vender os bilhetes e quatro deles saíram premiados, sendo que um com o primeiro prêmio e outro com o segundo. Ficou rico, entregou o dinheiro para Tia Zulmira usar como bem entendesse e hoje ambos vivem de rendas.

Claro, Rosamundo não mora na Boca do Mato, caso contrário Zulmira não seria ermitã. Reside num hotel da Zona Sul e não melhorou nada. Ainda recentemente levou o maior baile, pois, convidado por uns amigos a ir pescar na Barra da Tijuca, aceitou o convite e apareceu lá de espingarda. Mas é um esplêndido rapaz: amável e muito atencioso, quando não baixa o santo da distração sobre ele.

Tem seu fraco por mulheres, já foi casado duas vezes e em ambas deu-se mal, pois esqueceu o endereço do lar e foi dormir com outra; tem mania de comprar discos, embora não tenha vitrola. Como todo cara meio abilolado, gosta de adquirir novidades farmacêuticas: entra nas farmácias, compra quilos de remédio mas nunca toma nenhum.

Escreveu um livro excelente, chamado “O Crime foi Suicídio” (literatura policial), que não foi publicado porque Rosamundo deixou os originais num lotação.

Enfim, as distrações de Rosamundo distraem a gente.

(Rosamundo E Os Outros, 4ª Edição, págs 7 a 11, 1975, Ed. Civilização Brasileira)

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Trechos de Crônicas da Copa de 1962, no Chile (Stanislaw Ponte Preta)

São duas horas e dez minutos do dia 2 de junho e o papai já está no estádio de Sausalito, em Viña del Mar.(...) Estas páginas vêm sendo escritas no correr dos jogos mesmo. A pressa em remetê-las para o Brasil e a obrigação de escrever para vários jornais, me obriga a isto. Mas chega de fazer hora, que eu não sou locutor esportivo, para ficar descrevendo “o tapete verde”,“a tarde primaveril” e outras bossas. Vou tomar um cafezinho do IBC, que aqui é grátis e tem peru aos potes.

Outra vez escrevendo à maquina, com leonor correndo no campo. Isto é de lascar, mas a culpa é minha: não tinha nada que assinar o contrato para escrever estas páginas. Enfim, aqui está a intimorata semi-portátil na Tribuna Pacífico de la Prensa, do Estádio Nacional de Chile, pronto para contar o que acontecerá.

Fizemos um relato que, francamente, não sabemos como saiu. Pois, como já tínhamos dito, estes escritos saem diretamente da tribuna de imprensa deste estádio para o aeroporto, em Santiago (Ibid. p. 47).

Por falar em penosamente, que coisa de amargar é escrever Garriegd... isto é, Garrijn&... não, Garrincha, e sai GarR8cha. Esta gracinha, diga-se bem da verdade só conseguimos fazer agora, que o primeiro tempo acabou.

É gôoooolll Amatidl... não... Meu Deus... eu juro... é golll A Atildo. Não, Amarildo!!! Genial. Brasil, Brasil, BRASIL! Depois que acabar eu explico. Agora de jeito nenhum.

Isto é praticamente um jogo ganho. Deus queira que não me engane, pois não terei tempo de mudar estes escritos, antes de entregá-los ao homem que remete nossos trabalhos para o aeroporto.

Quê qui há ??? Tá parecendo o misto do Campo Grande em dia de treino.

Pelé dá uma chapuletada com força total e pegou Vavá em local ingrato. O centroavante brasileiro fechou que nem canivete. Ficou descansando na grama um pouquinho e levantou com mais saúde.

O jogo vai indo mais frio que rabo de foca. Só aos 5 minutos esquentou um pouquinho, com uma escapada do papai Jelinek, que mandou a infiel por cima da janela de Gilmar. A resposta do Brasil veio um minuto depois, com um chute de Pelé que bate na o¬relha de Populhar. Populhar por populhar, Pelé é mais.


Mas - como diria Tia Zulmira - em bola chilena e vedete não se pode confiar: a primeira é muito leve, a segunda é muito leviana.

Pega a infiel no meio do campo e sai garrinchando até a pequena área, onde sofre um pênalti legal. Todo mundo olha pro suíço. Ele está comendo queijo e consertando relógio.

Agora um coleguinha radialista vem pedir para Stanislaw dar um pulo na cabine da Emissora Continental e dizer pelo microfone o que acha da partida. Vocês esperam aí, que eu volto já. Olha nós de novo. Dissemos pelo microfone que isto será um Santos X Jabaquara, e que Deus ouça a flor dos Ponte Pretas.

Agora, que a turma está no meio de campo, fazendo olé, vamos explicar como foi o primeiro. Creio que é a primeira vez na história da crônica esportiva que se descreve o primeiro gol depois do segundo. Mas naquela hora não podia ser... Acabou o jogo... Mas, não podia ser - dizia eu. Agora vai.

O juiz é um camarada nascido de uma mistura de raças de lascar. Chama-se Arturo Yamasaki e é filho de um peruano com uma japonesa. (...) Sai de campo, sob aplausos delirantes da torcida, a banda de música. Chileno é tarado por banda de música. É que nem nós com mulher. Entrou o árbitro inca-nipônico (nipoincaico, se preferem) e está apitando mais que panela de pressão, chamando os times.

Já estão os onze brasileiros de amarelo e vários espanhóis, paraguaios, uruguaios, argentinos, húngaros, etc. de camisinha vermelha. (...) (Os brasileiros) Jogam só na metade do campo da Legião, porque, do lado da equipe brasileira, a bola só vai no fim do mês, para receber o ordenado.

Zito solta uma bomba que deve ter amassado um pouquinho a cortina de ferro
Se o Brasil insistir pelas pontas, ganha o jogo. O técnico tcheco já percebeu isso e vem correndo até aqui perto para dar instruções. Eu ouvi tudo, pois falo a língua deles muito bem. Ele disse: ‘Dhuitzh viak ighty wuaikt’. Os jornalistas brasileiros reclamam e ele dá um adeusinho e sorri para a gente. Que simpático!

Brasil em campo de camisinha amarela. Agora os tcheco-eslovacos... Chi, quando o jogo começar não vai dar tempo de escrever o nome desses caras. É grande demais. Fica combinado o seguinte: daqui por diante os tcheco-eslovacos ficam sendo só tchecos, tá?

O microfone anuncia para Jelinek (n.º 11), que sua filha acaba de nascer, em Praga, e sua esposa está passando muito bem. O homem pula em campo e é abraçado pelos companheiros. O estádio prorrompe em palmas. Façamos votos que sua estréia como pai deixe-o nervoso como ponta esquerda.

Agora são 2 h e 30 min. Um locutor uruguaio começa a irradiar atrás de mim... (...) E estávamos aqui de cabeça baixa, batendo as teclas desta intimorata Remington semi-portátil, quando o estádio prorrompeu num berro. Era o segundo gol do Chile lá em Santiago. Vão assustar a vovozinha!

Como veio Grã-fino do Rio e de São Paulo para Viña del Mar, irmãos. E a maioria não entende bulhufas de futebol. (...) Mal começou a partida contra o México e um deles perguntou ao jornalista Sandro Moreyra quem era o Garrincha, Sandro apontou Carbajal, o goleiro mexicano, e disse: “É aquele ali”.

Voltou Pelé, e sinto informar que está na ponta direita, inteiramente sem função. Parece até o Tancredo Neves.

Como tem carabineiros no Chile, companheiros. A impressão que a gente tem é que, se levantar o tampo de uma empada, sai carabineiro de dentro. Tem carabineiro em tudo que é lugar. Antes de começar o jogo Brasil X México, entrei no estádio, vi aquela fila imensa de carabineiros e comentei com um coleguinha: “Isso tudo aí é pra marcar o Garrincha.”

Grande juiz, esse russo. Vou aproveitar que a bola saiu e perguntar o nome dele ao suíço aqui atrás. É Nicolai Latichev. Eu falando francês com o suíço pareço até índio de fita em série. Preciso treinar o idioma da Brigitte. Quando voltar pro Rio vou arranjar uma francesa pra fazer um individualzinho.

A defesa fica olhando Hernandez mandar uma bomba que Deus me livre. Gilmar agarrou leonor pela saia. Não demorou muito e Garrincha entrou na área, driblou João I, João II, cobriu João III e, quando ia chutar, João IV fez pênalti. Seu Godofredo disse que não. Se o suíço deixasse, o apito apitava sozinho.

Deve ter corintiano e rubro-negro à beça aí no Brasil, dizendo que “nós já é bi”.

E como se não bastasse o Pelé quebrado, agora é esta porcaria desta máquina que quebra a tecla do retrocesso.

Meia hora já. Desculpem estar escrevendo menos hoje, mas é a finalíssima e eu não tenho sangue de barata, pombas!

(Ponte Preta, Stanislaw. Bola Na Rede: A batalha do Bi; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993)

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Os Vinicius de Moraes (Stanislaw Ponte Preta)

Eu confesso a vocês que descobri o segredo do coleguinha jornalista, poeta, diplomata e teleco-tequista Vinicius de Moraes numa tarde em que ambos (não ambos os Vinicius, como ficará provado mais tarde, mas ambos: eu e ele) tomávamos umas e outras no Bar Calypso, num desses crepúsculos vespertinos de Ipanema que já baixam pedindo um chope.

Estávamos lá “entornando”, quando chegou minha hora de subir para Petrópolis:

- Poetinha, eu vou me mandar – disse eu.

Ele suspirou, ante a perspectiva de ter de ficar sozinho e desejou boa viagem. Eu entrei no carro e subi para Petrópolis, onde cheguei certo de que nenhum carro passara pelo meu na estrada. No entanto, parei na Avenida 15 da cidade serrana, manobrei o carro e coloquei na vaga indo tomar mais um na Confeitaria Copacabana. Quando entrei e olhei para as mesas, vi que um camarada me saudava lá de dentro: era Vinicius de Moraes.

Foi nessa tarde - repito – que eu descobri que Vinicus era, pelo menos dois. Está claro que podem haver mais de dois. Duvido até que as múltiplas atividades de Vinicius (reparem que seu nome já é no plural para enganar os trouxas) possam ser realizadas só por dois deles. Acredito mesmo que haja uma meia dúzia de Vinicius: um para poesia, um para diplomacia, outro para samba, um quarto para jornalista e o resto para mulher. Desses, os mais assoberbados talvez sejam os últimos.

Eu acho, outrossim, que sou o único ao qual Vinicius (não sei qual deles) deu a pala de que eles são uma equipe e não um homem, por isso fico rindo dos coleguinhas que disputam o privilégio de noticiar o Vinicius certo na hora exata.

Os jornais de ontem, por exemplo, estavam muito pitorescos sobre Vinicius (todos os Vinicius). Em Última Hora a confreirinha jornalista Teresa Cesário Alvim, num esforço de reportagem, dizia: “Vinicius de Moraes anda a todo vapor, de uns tempos para cá. Tomou pressão em Petrópolis e desceu a serra carregado de idéias, jorrando inspiração para todos os lados. “ (Coitada da Teresa, não sabe que há Vinicius pela aí tudo.)

Já o coleguinha Jacinto de Thormes, no mesmo dia, na mesma UH e talvez escrevendo à mesma hora, dizia: “O Senhor Vinicius de Moraes está fazendo uma temporada de repouso na Clínica São Vicente.” De fato, há um dos Vinicius que está repousando, o que explica as notícias tão desencontradas de dois colunistas, no mesmo jornal, no mesmo dia.

No mesmo dia, aliás, o Carlos Alberto escrevia na sua coluna: “O poeta Vinicius de Moraes, ontem de madrugada, conversando no Restaurante Fiorentina.” É verdade. Vinicius estava lá no Fiorentina, numa roda batendo papo. Dezenas de testemunhas podem provar o que o Carlos Alberto disse.

Estava também tomando oxigênio, na Clínica São Vicente, estava em casa com amigos, compondo sambas ao som do violão de Baden Powell, estava no Cine Alvorada, assistindo a “Morangos Silvestres” (o porteiro me disse que o Vinicius já assistiu à fita quatro vezes, mas é mentira. Vários Vinicius ainda não viram).

Como, minha senhora? A senhora não acredita que Vinicius seja uma porção? Azar o seu, dona. Um dia ainda se fará um programa de televisão com Vinicius ao violão, acompanhando outro Vinicius que canta, junto com um quarteto vocal de Vinicius. Sem vídeo-tape.

Quem tem razão é Tia Zulmira, quando diz que, se Vinicius de Moraes fosse um só, não seria Vinicius de Moraes, seria Vinício de Moral.

(Rosamundo E Os Outros, Ed. Civilização Brasileira,1975)

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“Por Fora” de Xanás (A Ignorância Ao Alcance de Todos) (Stanislaw Ponte Preta)

Todo dito popular funciona e ficaria o dito pelo não dito se os ditos ditos não funcionassem, dito o que, acrescento que há um dito que não funciona ou, melhor dito, é um dito que funciona em parte uma vez que, no setor da ignorância, o dito falha, talvez para confirmar outro velho dito: o do não-há-regra-sem-exceção. Digo melhor: o dito mal-de-muitos-consolo-é encerra muita verdade, mas falha quando notamos que ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém gosta de confessar sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha.

Tenho experiência pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a própria ignorância, má-vontade esta confirmada diversas vezes em poucos minutos, graças a uma historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num dia em que fomos almoçar juntos, na cidade.

Já não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:

- Leônio Xanás.

- O quê? - perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito "Leônio Xanás - Pinturas em Geral - Peça Orçamento".

- Hoje acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás - contava o escritor. - Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto "Leônio Xanás" e levei um susto, quando o motorista respondeu: "Passa perto". Ele pensou que eu estava perguntando por determinada rua e foi logo dizendo que passa perto, sem, ao menos, saber que rua era.

Foi aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em relação às coisas mais corriqueiras.

Entramos numa farmácia para comprar Alka-Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo, perguntando ao farmacêutico:

- Tem Leônio Xanás?

- Estamos em falta - foi a resposta.

Saímos da farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do Alvinho.

No elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu, dirigindo-me ao cabineiro do elevador:

- Em que andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?

- Ele é médico de quê?

- Das vias urinárias — apressou-se a mentir o amigo, ante a minha titubeada.

-Então é no sexto andar - garantiu o cara do elevador, sem o menor remorso. E se não tivéssemos saltado no quarto andar por conta própria, teria nos deixado no sexto a procurar um consultório que não existe.

E assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja de roupas, que - geralmente - são senhoras de comprovada gentileza. Entramos num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para presente.

Vimos vários todos bacanérrimos, mas - para continuar a pesquisa - indagamos da vendedora:

- Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?

A mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:

- Leônio Xanás - repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.

Madame voltou a sorrir e respondeu:

- Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos esperando nova remessa.

Foi uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar.

Foi um almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:

- Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto.

O garçom fez uma mesura:

- O senhor vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho esse vinho.

Devia ser uma questão de safra, daí aconselhar outro:

- O Ferreirinha não serve?

Servia.

É irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém quer ser.

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O Homem Que Não Foi A São Paulo (Stanislaw Ponte Preta)

De repente deu-lhe aquela chateação de ter que ir para São Paulo. Olhou para a valise já prontinha, que a mulher preparara e que descansava sobre uma poltrona do escritório, e puxou um longo suspiro. Depois olhou para a passagem da Ponte Aérea que estava em cima da mesa e sentiu um leve, um quase imperceptível mal-estar. Afinal, tinha pouca coisa a fazer em São Paulo.

Se tivesse sorte de conseguir uma linha, talvez resolvesse tudo com o chefe do escritório de lá e então ficaria com uma noite livre no Rio, iria para onde bem entendesse, dormiria num hotel qualquer e não teria de dar satisfações a Mercedes, que esta estaria crente que ele seguira mesmo para São Paulo.

Pegou o telefone e discou “interurbano”. A voz neutra e irritante da telefonista perguntou o que ele queria. Cruzou os dedos e pediu São Paulo, aliviado de não ouvir em seguida aquela frase cretina: “Os circuitos estão ocupados, queira chamar mais tarde.”

Quando acabou de dar as ordens ao chefe do escritório, sentia-se bem melhor.

Ao pegar de novo o telefone, parecia muito bem disposto e teve de se conter para não demonstrar sua alegria:

- Mercedes? Sou eu... Já vou sim. Não sei, meu bem. Sigo agorinha para o aeroporto e pego o primeiro que tiver lugar. Obrigado. Outro pra você.

Desligou e ficou imaginando que era o golpe. Ir para um bar e encher a caveira? Telefonar para uma daquelas desajustadas de sempre? Ia optar pela segunda hipótese, quando se lembrou que já era um pouco tarde e mulher avulsa que se preze não continua avulsa depois que a tarde cai. O jeito era sair por aí...

Mas novamente o telefone entrou em cena. A campainha soou e ele ouviu a voz do Augusto:

- Seu passe está livre para um pagode?Aquilo caía do céu:

- Puxa, Augusto... Você encaixou na horinha. Imagine que eu ia para São Paulo e resolvi não ir... Mal telefonei para Mercedes... Acabei de ligar, dizendo que ia, mas disposto a ficar por aqui mesmo.

- Ótimo! – exclamou o Augusto. – Pois eu estou de cacho aí com uma pequena bem razoável. Ela me avisou que tem uma amiguinha sobrando, coisa fina, e pediu que eu levasse um amigo.

- Tô nessa boca – berrou o que ia a São Paulo e não foi, achando que mais uma vez se confirmava a sua sorte com mulher. E apressou-se:

- Diga à sua amiguinha para levar a outra que eu terei o maior prazer em desencaminhá-la.

Augusto esclareceu que não precisava isso. Já estava tudo combinado: as duas estariam no bar assim-assim, às tantas horas, esperando. E, a uma pergunta aflita, tratou de tranqüilizar o amigo: não conhecia a outra, mas devia ser boa sim, porque tivera o cuidado de se informar sobre este detalhe e sua pequena garantira que era papa-fina.

Saíram logo que Augusto chegou no escritório. Estava tão animado que já ia esquecendo a valise em cima da poltrona. Voltou, apanhou-a e, antes de apagar a luz, rasgou a passagem da Ponte Aérea e jogou na cesta. “Mercedes pode ver esta porcaria no meu bolso e vai ser fogo” – pensou. E juntou ao pensamento um ditado de sua autoria que costumava usar sempre que se metia numa baderna: “Marido prevenido, casamento garantido”.

Augusto manobrou o carro e entrou na vaga com facilidade. Antes de atravessarem a rua, apontou para o barzinho elegante da esquina, explicando que elas estavam esperando ali.

Quando entraram na sala um tanto quanto penumbrosa, a penumbra não chegou para esconder a mulher que acenou em sua direção:

- Aquela é a minha – foi dizendo o Augusto – e a outra é a sua.

Como se ele não soubesse que era a sua! Lá estava ela, toda fresca, no vestido vermelho que ele financiara na véspera. Aliás, foi o ar fresco que lhe deu mais raiva.

Partiu por entre as mesas bufando e iniciou incontinenti o festival de bolachas.

- Mas o que é isto... Mas o que é isto? – Perguntava Augusto atônito.

Ninguém ali sabia direito por que é que ele estava batendo, mas Mercedes sabia perfeitamente por que é que estava apanhando.

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Conto de Mistério (Stanislaw Ponte Preta)

Com a gola do paletó levantada e a aba do chapéu abaixada, caminhando pelos cantos escuros, era quase impossível a qualquer pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto.

No local combinado, parou e fez o sinal que tinham já estipulado à guisa de senha. Parou debaixo do poste, acendeu um cigarro e soltou a fumaça em três baforadas compassadas. Imediatamente um sujeito mal-encarado, que se encontrava no café em frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda.

Era aquele. Atravessou cautelosamente a rua, entrou no café e pediu um guaraná. O outro sorriu e se aproximou:

Siga-me! - foi a ordem dada com voz cava. Deu apenas um gole no guaraná e saiu. O outro entrou num beco úmido e mal-iluminado e ele - a uma distância de uns dez a doze passos - entrou também.

Ali parecia não haver ninguém. O silêncio era sepulcral. Mas o homem que ia na frente olhou em volta, certificou-se de que não havia ninguém de tocaia e bateu numa janela. Logo uma dobradiça gemeu e a porta abriu-se discretamente.

Entraram os dois e deram numa sala pequena e enfumaçada onde, no centro, via-se uma mesa cheia de pequenos pacotes. Por trás dela um sujeito de barba crescida, roupas humildes e ar de agricultor parecia ter medo do que ia fazer. Não hesitou - porém - quando o homem que entrara na frente apontou para o que entrara em seguida e disse:

É este".

O que estava por trás da mesa pegou um dos pacotes e entregou ao que falara. Este passou o pacote para o outro e perguntou se trouxera o dinheiro. Um aceno de cabeça foi a resposta. Enfiou a mão no bolso, tirou um bolo de notas e entregou ao parceiro. Depois virou-se para sair. O que entrara com ele disse que ficaria ali.

Saiu então sozinho, caminhando rente às paredes do beco. Quando alcançou uma rua mais clara, assoviou para um táxi que passava e mandou tocar a toda pressa para determinado endereço. O motorista obedeceu e, meia hora depois, entrava em casa a berrar para a mulher:

- Julieta! Ó Julieta... consegui.

A mulher veio lá de dentro enxugando as mãos em um avental, a sorrir de felicidade. O marido colocou o pacote sobre a mesa, num ar triunfal.

Ela abriu o pacote e verificou que o marido conseguira mesmo. Ali estava: um quilo de feijão.

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Latricério (Com O Perdão da Palavra) (Stanislaw Ponte Preta)

Tinha um linguajar difícil, o Latricério. Já de nome era ruinzinho, que Latricério não é lá nomenclatura muito desejada. E era aí que começavam os seus erros.
Foi porteiro lá do prédio durante muito tempo. Era prestativo e bom sujeito, mas sempre com o grave defeito de pensar que sabia e entendia de tudo. Aliás, acabou despedido por isso mesmo.

Um dia enguiçou a descarga do vaso sanitário de um apartamento e ele achou que sabia endireitar. O síndico do prédio já ia chamar um bombeiro, quando Latricério apareceu dizendo que deixassem por sua conta. Dizem que o dono do banheiro protestou, na lembrança talvez de outros malfadados consertos feitos pelo serviçal porteiro.

Mas o síndico acalmou-o com esta desculpa excelente:

- Deixe ele consertar, afinal são quase xarás e lá se entendem.

Dono da permissão, o nosso amigo - até hoje ninguém sabe explicar por quê - fez um rápido exame no aparelho em pane e desceu aos fundos do edifício, avisando antes que o defeito era "nos cano de orige".

Lá embaixo, começou a mexer na caixa do gás e, às tantas, quase provoca uma tremenda explosão. Passado o susto e a certeza de mais esse desserviço, a paciência do síndico atingiu o seu limite máximo e o porteiro foi despedido.

Latricério arrumou sua trouxa e partiu para nunca mais, deixando tristezas para duas pessoas: para a empregada do 801, que era sua namorada, e para mim, que via nele uma grande personagem.

Lembro-me que, mesmo tendo sido, por diversas vezes, vítima de suas habilidades, lamentei o ocorrido, dando todo o meu apoio ao Latricério e afirmando-lhe que fora precipitação do síndico.

Na hora da despedida, passei-lhe às mãos uma estampa do American Bank Note no valor de quinhentos cruzeiros, oferecendo ainda, como prêmio de consolação, uma horrenda gravata, cheia de coqueiros dourados, virgem de uso, pois nela não tocara desde o meu aniversário, dia em que o Bill - o americano do 602 - a trouxera como lembrança da data.

Mas, como ficou dito acima, Latricério tinha um linguajar difícil, e é preciso explicar por quê. Falava tudo errado, misturando palavras, trocando-lhes o sentido e empregando os mais estranhos termos para definir as coisas mais elementares. Afora as expressões atribuídas a todos os "malfalantes", como "compromisso de cafiaspirina", "vento encarnado", "libras estrelinhas", etc., tinha erros só seus.

No dia em que estiveram lá no prédio, por exemplo, uns avaliadores da firma a quem o proprietário ia hipotecar o imóvel, o porteiro, depois de acompanhá-los na vistoria, veio contar a novidade:

- Magine, doutor! Eles viero avalsá as impoteca!

É claro que, no princípio, não foi fácil compreender as coisas que ele dizia mas com o tempo, acabei me acostumando. Por isso não estranhei quando os ladrões entraram no apartamento de Dona Vera, então sob sua guarda, e ele veio me dizer, intrigado:

- Não compreendo como eles entraro. Pois as portas tava tudo “aritmeticamente" fechadas.

Tentar emendar-lhe os erros era em pura perda. O melhor era deixar como estava. Com sua maneira de falar, afinal, conseguira tornar-se uma das figuras mais populares do quarteirão e eu, longe de corrigir-lhe as besteiras, às vezes falava como ele até, para melhor me fazer entender.

Foi assim no dia em que, com a devida licença do proprietário, mandei derrubar uma parede e inaugurei uma nova janela, com jardineira por fora, onde pretendia plantar uns gerânios. Estava eu a admirar a obra, quando surgiu o Latricério para louvá-la.

- Ainda não está completa - disse eu - falta colocar umas persianas pelo lado de fora.

Ele deu logo o seu palpite:

- Não adianta, doutor. Aí bate muito sol e vai morrê tudo.

Percebi que jamais soubera o que vinha a ser persiana e tratei de explicar à sua moda:

- Não diga tolice, persiana é um negócio parecido com venezuela.

- Ah, bem, venezuela — repetiu.

E acrescentou:

- Pensei que fosse "arguma pranta".

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Repórter Policial (Stanislaw Ponte Preta)

Estávamos fazendo hora para ir pra nossa aula de agogô, ouvindo o Concerto em ré maior — Opus 77, de Johannes Brahms, executado por Fritz Kreisler com a Orquestra da Ópera de Berlim, sob a direção do maestro Leo Blech (queiram perdoar), quando surgiu em nossa modesta mansão conhecida dama do mundanismo (e aqui somos obrigados a abrir mais um parêntese para pedir encarecidamente a vocês que não confundam dama do mundanismo com mundana simples, pois, embora seus processos sejam semelhantes, há uma diferença sutil entre elas).

Onde estávamos mesmo? Ah, sim... com a dama do mundanismo. Ela chegou e começou a conversar muito animada e nós, na impossibilidade de desligá-la, desligamos Johannes Brahms, ficamos a escutá-la. Vanja vai, Vanja vem, o assunto passou a ser imprensa.

A elegante senhora é - com o perdão da palavra - tarada por noticiário policial. Quis saber se já fomos repórter policial, coisa que confirmamos com um leve rubor a assomar na face, como são escolhidas as notícias sangrentas da imprensa idem, quais os cobras dessa imprensa e outros blablablás.

Da conversa que tivemos acho interessante passar aos distintos leitores, que me honram com a sua preferência, alguns aspectos da história desses jornais que são impressos com sangue e onde abundam os repórteres amásios do escândalo. E, se dizemos amásios e não amantes, é para estar ao gosto deles.

O repórter policial, tal como o locutor esportivo, é um camarada que fala uma língua especial, imposta pela contingência: quanto mais cocoroca, melhor. Assim como o locutor esportivo jamais chamou nada pelo nome comum, assim também o repórter policial é um entortado literário. Nessa classe, os que se prezam nunca chamariam um hospital de hospital. De jeito nenhum. É nosocômio. Nunca, em tempo algum, qualquer vítima de atropelamento, tentativa de morte, conflito, briga ou simples indisposição intestinal foi parar num hospital. Só vai pra nosocômio.

E assim sucessivamente. Qualquer cidadão que vai à policia prestar declarações que possam ajudá-la numa diligência (apelido que eles puseram no ato de investigar), é logo apelidado de testemunha-chave. Suspeito é "Mister X", advogado é causídico, soldado é militar, marinheiro é naval, copeira é doméstica e, conforme esteja deitada a vítima de um crime — de costas ou de barriga pra baixo — fica numa destas duas incômodas posições: decúbito dorsal ou decúbito ventral.

Num crime descrito pela imprensa sangrenta a vítima nunca se vestiu. A vítima trajava. Todo mundo se veste, tirante a Luz del Fuego, mas basta virar vítima de crime, que a rapaziada sadia ignora o verbo comum e mete lá: "A vítima trajava terno azul e gravata do mesmo tom". Eis, portanto, que é preciso estar acostumado ao métier para morar no noticiário policial.

Como os locutores esportivos, a Delegacia do Imposto de Renda, os guardas de trânsito, as mulheres dos outros, os repórteres policiais nasceram para complicar a vida da gente. Se um porco morde a perna de um caixeiro de uma dessas casas da banha, por exemplo, é batata... a manchete no dia seguinte tá lá: "Suíno atacou comerciário”.

Outro detalhezinho interessante: se a vítima de uma agressão morre, tá legal, mas se - ao contrário - em vez de morrer fica estendida no asfalto, está indefectivelmente prostrada. Podia estar caída, derrubada ou mesmo derribada, mas um repórter de crime não vai trair a classe assim à toa. E castiga na página: "Naval prostrou desafeto com certeira facada." Desafeto - para os que são novos na turma - devemos explicar que é inimigo, adversário, etc. E mais: se morre na hora, tá certo; do contrário, morrerá invariavelmente ao dar entrada na sala de operações.

De como vive a imprensa sangrenta, é fácil explicar. Vive da desgraça alheia, em fotos ampliadas. Um repórter de polícia, quando está sem notícia, fica na redação, telefonando pras delegacias distritais ou para os hospitais, perdão, para os nosocômios, onde sempre tem um cumpincha de plantão.

O cumpincha atende lá, e ele fala:

"Alô, é do Quinto? Fala Fulano. Alguma novidade? O quê? Estupro? Oba! Vou já para aí".

Ou então é pro pronto-socorro:

Alô. É Fulano, da Luta. Sim. Atropelamento? Ah... mas sem fratura exposta não interessa".

E há também a concorrência entre os coleguinhas da crônica sangrenta. Primo Altamirando, quando trabalhou nesse setor, se fez notar pela sua indiscutível capacidade profissional para o posto.

Um dia, ele telefonou para o secretário do jornal:

- Alô, quem está falando é Mirinho. Olha, manda um fotógrafo aqui na estação de Cordovil, pra fotografar um cara.

- Que é que houve?

- Foi atropelado pelo trem, está todo esmigalhado. Vai dar uma fotografia linda para a primeira página.

- O cadáver está sem cabeça?

- Não.

- Então não vale a pena.

- Não diga isso, chefe. Mande o fotógrafo que, até ele chegar, eu dou jeito de arrancar a cabeça do falecido.

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Inferno Nacional - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

A historinha abaixo transcrita surgiu no folclore de Belo Horizonte e foi contada lá, numa versão política. Não é o nosso caso. Vai contada aqui no seu mais puro estilo folclórico, sem maiores rodeios.

Diz que era uma vez um camarada que abotoou o paletó. Em vida o falecido foi muito dado à falcatrua, chegou a ser candidato a vereador pelo PTB, foi diretor de instituto de previdência, foi amigo do Tenório, enfim... ao morrer nem conversou: foi direto para o Inferno.

Em lá chegando, pediu audiência a Satanás e perguntou:

- Qual é o lance aqui?

Satanás explicou que o Inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de origem. Podia ficar no departamento do país que escolhesse.

Ele agradeceu muito e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.

Está claro que saiu do gabinete do Diabo e foi logo para o departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade.

Entrou no departamento dos Estados Unidos e perguntou como era o regime ali.

— Quinhentas chibatadas pela manhã, depois passar duas horas num forno de duzentos graus. Na parte da tarde: ficar numa geladeira de cem graus abaixo de zero até as três horas, e voltar ao forno de duzentos graus.

O falecido ficou besta e tratou de cair fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo: quinhentas chibatadas pela manhã, forno de duzentos graus durante o dia e geladeira de cem graus abaixo de zero pela tarde.

O falecido já caminhava desconsolado por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou com suas chaminhas: "Aqui tem peixe por debaixo do angu".

Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e os enfileirados menos tristes.

O camarada da frente fingia que não ouvia, mas ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem a atenção, disse baixinho:

- Fica na moita, e não espalha não. O forno daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de trinta e cinco graus por dia.

- E as quinhentas chibatadas? — perguntou o falecido.

- Ah... O sujeito encarregado desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora.

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Dois Amigos E Um Chato - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Os dois estavam tomando um cafezinho no boteco da esquina, antes de partirem para as suas respectivas repartições.

Um tinha um nome fácil: era o Zé. O outro tinha um nome desses de dar cãibra em língua de crioulo: era o Flaudemíglio.

Acabado o café o Zé perguntou:

- Vais pra cidade?

- Vou — respondeu Flaudemíglio, acrescentando: - Mas vou pegar o 434, que vai pela Lapa. Eu tenho que entregar uma urinazinha de minha mulher no laboratório da Associação, que é ali na Mem de Sá.

Zé acendeu um cigarro e olhou para a fila do 474, que ia direto pro centro e, por isso, era a fila mais piruada. Tinha gente às pampas.

- Vens comigo? — quis saber Flaudemíglio.

- Não - disse o Zé - Eu estou atrasado e vou pegar um direto ao centro.

- Então tá — concordou Flaudemíglio, olhando para a outra esquina e, vendo que já vinha o que passava pela Lapa:

- Chi! Lá vem o meu... — e correu para o ponto de parada, fazendo sinal para o ônibus parar.

Foi aí que, segurando o guarda-chuva, um embrulho e mais o vidrinho da urinazinha (como ele carinhosamente chamava o material recolhido pela mulher na véspera para o exame de laboratório...), foi aí que o Flaudemíglio se atrapalhou e deixou cair algo no chão.

O motorista, com aquela delicadeza peculiar à classe, já ia botando o carro em movimento, não dando tempo ao passageiro para apanhar o que caíra.

Flaudemíglio só teve tempo de berrar para o amigo:

- Zé, caiu minha carteira de identidade. Apanha e me entrega logo mais.

O 434 seguiu e Zé atravessou a rua, para apanhar a carteira do outro. Já estava chegando perto quando um cidadão magrela e antipático e, ainda por cima, com sorriso de Juraci Magalhães, apanhou a carteira de Flaudemíglio.

- Por favor, cavalheiro, esta carteira é de um amigo meu - disse o Zé estendendo a mão.

Mas o que tinha sorriso de Juraci não entregou. Examinou a carteira e depois perguntou:

- Como é o nome do seu amigo?

- Flaudemíglio — respondeu o Zé.

- Flaudemíglio de quê? — insistiu o chato.

Mas o Zé deu-lhe um safanão e tomou-lhe a carteira, dizendo:

- Ora, seu cretino, quem acerta Flaudemíglio não precisa acertar mais nada!

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O Milagre - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Naquela pequena cidade as romarias começaram quando correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas logo o povo - sofredor, coitadinho, e pronto pra acreditar em algo capaz de minorar sua perene chateação - passa a torcer para que o boato se transforme numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.

Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessidades e até advogado dos pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.

Um dia vigário morreu. Ficou a saudade morando com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da venda. Um catre (porque em histórias assim a cama do personagem chama-se catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não tinha verba para erguer sua estátua.

E foi quando um dia...ou melhor, uma noite, deu-se o milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu uma vela acesa.

- Milagre!!! - quiseram todos.

E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha o filho doente, logo se ajelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido - conta-se - a senhora encontrou o filho brincando, fagueiro.

- Milagre!!! - repetiram todos.

E o griito de "Milagre!!!" reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias. Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela. Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava acender sua vela...a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres, doentes e saudáveis, homens e mulheres, civis e militares caiam de joelhos, pedindo.

Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na lembrança do povo.

O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro dia por lá. Entramos na venda e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja.

O português, então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:

- Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!

Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que o nome do pretinho era Sebastião. Milagre era apelido.

- E por quê? - perguntamos.

- Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do padre.

( O melhor de Stanislaw Ponte Preta. 3ª edição,.Rio de Janeiro, Editora José Olympio,1988,págs 14 e 15)

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Carta de Broto - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

“Querida Meg:

Ontem completei dezoito anos e foi bárbaro. Pena que você não estivesse aqui. Tinha rapazes ótimos e veio até o Billy, aquele que tem cabelo de bom-bril escorregando pela nuca e que você acha o fino.

Houve vários pifas com o uísque do velho, mas a culpa foi dele. Eu ia servir cuba-libre, mas o velho disse que era bebida subversiva; daí eu roubei algumas garrafas do uísque dele e os rapazes ficaram num fogo legal..

Sábado, no Black, o pessoal já tinha me homenageado e eu tive que dançar pachanga com o Ricardinho em cima da mesa. Quando acabei a turma fez uma aposta pra saber de que cor era a minha calcinha. Ganhou o Bob, mas também, pudera! Enquanto eu dancei ele ficou sentado no chão!

Você viu aí o filme do Paul Newman? Nojento de bom, não é? O Lilico é um pouco parecido com ele e eu... Depois eu conto, quando você voltar. Outro filme que eu vi foi Lawrence da Arábia, com o Otavio, mas ele se empolgou pelo filme e ficou assistindo até o fim. É um bobo, sabe Meg? Imagine que depois lê me trouxe de presente o livro de onde eles tiraram o argumento. Eu doida para ganhar o disco com a trilha sonora (minha nova vitrola stereo é tártara) e ele me dá o livro de presente. Pra que é que eu quero um livro?

Quem anda podre de besta é a tininha, só porque está de caso com o cretino do Mauro. Este é outro podrérrimo, porque o pai é importante e tem uma cpi investigando ele.

O velho me deu o Karmanguia (será que se escreve assim?) e fiquei acesa, pois o Volks já estava um lixo. Já imaginou a mamãezinha chegando no Castelinho de Karmanghia (talvez se escreva assim) vermelho com o Sandy do lado? Lembra-se do Sandy, o meu poodle? Está enorme e eu vou cruzá-lo com a Betiná, que também é pura e pertence àquele senhor gordo que mora aqui no prédio, no oitavo andar.

Aquele que nos deu carona até o iate daquela vez, esta lembrada? Ele agora anda ótimo e parou de dar em cima de mim.

Ah sim, eu ia esquecendo. Vovó morreu quinta feira passada. Estou trístissima. Volte logo. Milhões de Kisses.

- Regininha."

(O Garoto Linha Dura)

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O Grande Mistério - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Há dias já que buscavam uma explicação para os odores esquisitos que vinham da sala de visitas. Primeiro houve um erro de interpretação: o quase imperceptível cheiro foi tomado como sendo de camarão. No dia em que as pessoas da casa notaram que a sala fedia, havia um soufflé de camarão para o jantar. Daí...

Mas comeu-se o camarão, que inclusive foi elogiado pelas visitas, jogaram as sobras na lata do lixo e — coisa estranha — no dia seguinte a sala cheirava pior.

Talvez alguém não gostasse de camarão e, por cerimônia, embora isso não se use, jogasse a sua porção debaixo da mesa. Ventilada a hipótese, os empregados espiaram e encontraram apenas um pedaço de pão e uma boneca de perna quebrada, que Giselinha esquecera ali. E como ambos os achados eram inodoros, o mistério persistiu.

Os patrões chamaram a arrumadeira às falas. Que era um absurdo, que não podia continuar, que isso, que aquilo. Tachada de desleixada, a arrumadeira caprichou na limpeza. Varreu tudo, espanou, esfregou e... nada. Vinte e quatro horas depois, a coisa continuava. Se modificação houvera, fora para um cheiro mais ativo.

À noite, quando o dono da casa chegou, passou uma espinafração geral e, vitima da leitura dos jornais, que folheara no lotação, chegou até a citar a Constituição na defesa de seus interesses.

— Se eu pago empregadas para lavar, passar, limpar, cozinhar, arrumar e ama-secar, tenho o direito de exigir alguma coisa. Não pretendo que a sala de visitas seja um jasmineiro, mas feder também não. Ou sai o cheiro ou saem os empregados.

Reunida na cozinha, a criadagem confabulava. Os debates eram apaixonados, mas num ponto todos concordavam: ninguém tinha culpa. A sala estava um brinco; dava até gosto ver. Mas ver, somente, porque o cheiro era de morte.

Então alguém propôs encerar. Quem sabe uma passada de cera no assoalho não iria melhorar a situação?-

- Isso mesmo — aprovou a maioria, satisfeita por ter encontrado uma fórmula capaz de combater o mal que ameaçava seu salário.

Pela manhã, ainda ninguém se levantara, e já a copeira e o chofer enceravam sofregamente, a quatro mãos. Quando os patrões desceram para o café, o assoalho brilhava. O cheiro da cera predominava, mas o misterioso odor, que há dias intrigava a todos, persistia, a uma respirada mais forte.

Apenas uma questão de tempo. Com o passar das horas, o cheiro da cera — como era normal — diminuía, enquanto o outro, o misterioso — estranhamente, aumentava. Pouco a pouco reinaria novamente, para desespero geral de empregados e empregadores.

A patroa, enfim, contrariando os seus hábitos, tomou uma atitude: desceu do alto do seu grã-finismo com as armas de que dispunha, e com tal espírito de sacrifício que resolveu gastar os seus perfumes.

Quando ela anunciou que derramaria perfume francês no tapete, a arrumadeira comentou com a copeira:

— Madame apelou para a ignorância.

E salpicada que foi, a sala recendeu. A sorte estava lançada. Madame esbanjou suas essências com uma altivez digna de uma rainha a caminho do cadafalso. Seria o prestigio e a experiência de Carven, Patou, Fath, Schiaparelli, Balenciaga, Piguet e outros menores, contra a ignóbil catinga.

Na hora do jantar a alegria era geral. Nas restavam dúvidas de que o cheiro enjoativo daquele coquetel de perfumes era impróprio para uma sala de visitas, mas ninguém poderia deixar de concordar que aquele era preferível ao outro, finalmente vencido.

Mas eis que o patrão, a horas mortas, acordou com sede. Levantou-se cauteloso, para não acordar ninguém, e desceu as escadas, rumo à geladeira. Ia ainda a meio caminho quando sentiu que o exército de perfumistas franceses fora derrotado.

O barulho que fez daria para acordar um quarteirão,quanto mais os da casa, os pobres moradores daquela casa, despertados violentamente , e que não precisavam perguntar nada para perceberem o que se passava. Bastou respirar.

Hoje pela manhã, finalmente, após buscas desesperadas, uma das empregadas localizou o cheiro. Estava dentro de uma jarra, uma bela jarra, orgulho da família, pois tratava-se de peça raríssima, da dinastia Ming.

Apertada pelo interrogatório paterno Giselinha confessou-se culpada e, na inocência dos seus 3 anos, prometeu não fazer mais.

Não fazer mais na jarra, é lógico.

(Rosamundo e os outros, 1a. edição, 1963, Editora Sabiá Ltda)

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Vamos Acabar Com Esta Folga - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele.

Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café.

Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc.

Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba!

O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

(O Melhor da Crônica Brasileira - 1", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997, pág. 71)

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O Domingo - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

E HAVIA em tudo a delícia do domingo!

Longe, o som do órgão da Igreja e o compasso marcado em ritmo lento pelos passos dos fiéis,arranhando a pedra moída, recentemente colocada no asfalto, que se perdiam na direção do culto religioso.

Tudo era domingo. Havia na casa placidez dos domingos, aquela calma acalentadora, doce calma domingueira.

Havia, lá embaixo, a algazarra das crianças, vivendo o seu despreocupado domingo. E havia aqueIa cor que o poeta chamou de domingo azul do mar.

A sensação de abandono dos que vivem longamente seus domingos. A sonolência, aquela paz sagrada que deixa um pouco de santidade nos cantos da casa, onde o sol flui um raio bom e morno, porque é do­mingo.

Oh as tardes vadias dos domingos! Lentas, gordas tardes de domingo, preguiçosas.

E, à noitinha, um resto de domingo. Um sussurro que sobe na rua, de namorados, de folguedo dos me­nores, de folga dos maiores. Tudo era domingo. Era domingo na preguiça do gato, era domingo no al­moço farto, era domingo nas matinês, era domingo nos programas de rádio, era domingo no olhar da gente, era domingo na missa e no Jóquei Clube, na praia e na Quinta, nos carros abertos e nos bondes repletos, no alvo uniforme das babás e no brilho da farda dos militares.

E se tudo era domingo, por que você não veio?

Vê se te manca e dá as caras no domingo que vem.

(Primo Altamirando E Elas - 6ª Ediçção - RJ, Ed Civilização Brasileira, 1980, págs 202 e 203)

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Por Vários Motivos Principais - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Durante uma recepção elegante, a flor dos Ponte Pretas estava a mastigar o excelente jantar, quando uma senhora que me fora apresentada pouco antes disse que adorou meus livros e que está ávida de ler o próximo.

— Como vai se chamar?

Fiquei meio chateado de revelar o nome do próximo livro. Ela podia me interpretar mal. Como ela insistisse, porém, eu disse:

— "Vaca Porém Honesta." (*)

Madame deu um sorriso amarelo mas acabou concordando que o nome era muito engraçado, muito original. Depois — confessando-se sempre leitora implacável, dessas que sabem até de cor o que a gente escreve —, madame pediu para que não deixássemos de incluir aquela crônica do afogado.

— Qual? — perguntei.— Aquela do camarada que ia se afogando, aí os carros foram parando na praia de Botafogo para ver se salvavam o homem. Depois um carro bateu no outro, houve confusão e até hoje ninguém sabe se o afogado morreu ou salvou-se. Lembra-se? Aquela é uma de suas melhores crônicas.

Foi então que eu contei pra ela o caso do colecionador de partituras famosas, que um dia foi a um editor de música procurando o original de certa sonata que fora composta por Haydn e Schumann juntos.

O editor ficou olhando para ele e o colecionador esclareceu:

- Sei que essa partitura é raríssima, mas eu pagaria qualquer preço por ela.

— Vai ser um pouco difícil — disse o editor — conseguir uma partitura composta por Haydn e Schumann juntos, por vários motivos. Primeiro: quando Schumann nasceu, Haydn tinha morrido no ano anterior.

A leitora que se lembra de tudo que eu escrevi estranhou e perguntou:

— Por que me contou essa história?

— Porque lembra a história que estamos vivendo agora. A crônica sobre o afogado que a senhora diz ser uma das minhas melhores crônicas... quem escreveu foi Fernando Sabino.

Ela achou engraçadíssimo. Papai agrada em festa.

(*) O título, mais tarde, foi trocado, porque a vaca protestou.

(O Melhor da Crônica Brasileira", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997, pág. 88)

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Certas Esperanças - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

É preciso — é mais do que preciso, é forçoso — dar boas festas, trocar embrulhinhos, querer mais intensamente, oferecer com mais prodigalidade, manter o sorriso e, acima de tudo, esquecer tristezas e saudades.

Façamos um supremo esforço para lembrar e sermos lembrados, porque assim manda a tradição e é difícil esquecer à tradição. Enviemos cartões e telegramas de felicitações àqueles que amamos e também àqueles que — sabemos perfeitamente — não gostam da gente.

O Correio, nesta época do ano, finge-se de eficiente e já lá tem prontos impressos para que desejemos coisas boas aos outros, nivelando a todos em nossos augúrios.

Depois de abraçar e ser abraçado, desejar sincera e indiferentemente, embrulhar e desembrulhar presentes, cada um poderá fazer votos a si mesmo, desejar para si o que bem entender.

Subindo na escala das idades, este sonhou todo o mês com um trenzinho elétrico, aquele com uma bicicleta (com farol e tudo), o outro certa moça, mais além um quarto sonhador esteve a remoer a idéia de ser ministro e o rico... bem, o rico só pensa em ser mais rico.

O rico detesta amistosamente os ministros, já não tem olhos para a graça da moça, pernas para pedalar uma bicicleta e, muito menos, tempo para brincar com um trenzinho.

Dos planos de cada um, pouquíssimos serão transformados em realidade. Alguns hão de abandoná-los por desleixo e a maioria, mal o ano de 56 começar, não pensará mais nele, por pura desesperança. O melhor, portanto, é não fazer planos. Desejar somente, posto que isso sim, é humano e acalentador.

De minha parte estou disposto a esquecer todas as passadas amarguras, tudo que o destino me arranjou de ruim neste ano que finda. Ficarei somente com as lembranças do que me foi grato e me foi bom.

No mais, desejarei ficar como estou porque, se não é o que há de melhor, também não é tão ruim assim e, tudo somado, ficaram gratas alegrias. Que Deus me proporcione as coisas que sempre me foram gratas e que — Ele sabe — não chegam a fazer de mim um ambicioso.

Que não me falte aquele almoço honesto dos sábados (único almoço comível na semana), com aquele feijão que só a negra Almira sabe fazer; que não me falte o arroz e a cerveja — é muito importante a cerveja, meu Deus! —, como é importante manter em dia o ordenado da Almira.

Se não me for dado comparecer às grandes noites de gala, que fazer? Resta-me o melhor, afinal, que é esticar de vez em quando por aí, transformando em festa uma noite que poderia ser de sono.

E para os pequenos gostos pessoais, que me reste sensibilidade bastante para entretê-las. Ai de mim se começo a não achar mais graça nos pequenos gostos pessoais. Que o perfume do sabonete, no banho matinal, seja sempre violeta; que haja um cigarro forte para depois do café; uma camisa limpa para vestir; um terno que pode não ser novo, mas que também não esteja amarrotado.

Uma vez ou outra, acredito que não me fará mal um filme da Lollobrigida, nem um uísque com gelo ou — digamos — uma valsa.

Nada de coisas impossíveis para que a vida possa ser mais bem vivida. Apenas uma praia para janeiro, uma fantasia para fevereiro, um conhaque para junho, um livro para agosto e as mesmas vontades para dezembro.

No mais, continuarei a manter certas esperanças inconfessáveis porém passíveis — e quanto — de acontecerem.

(Revista Manchete nº. 193, de 31/12/55)

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Pescaria - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

— Fomos uns cinco pescar — conta-nos o amigo que há muito não encontrávamos. Tinha comprado um molinete e, segundo nos confessou, desde menino sonhava em ter o seu próprio molinete. Por isso aceitou o convite.

Quando o encontramos, às 11 horas da noite de sábado, estava cansadíssimo e queria ir dormir. Mesmo assim contou como foi a pescaria.

— Eles me convidaram dizendo que estava dando muito pampo na Barra da Tijuca. Passaram lá em casa às 7, me pegaram e saímos para comprar isca.

Ficaram comprando isca e lá pelas 9 horas entraram num bar para tomar um negócio porque estava ameaçando chuva e era preciso precaução. Às 11 horas, saíram do bar e tinha um camarada na porta vendendo siris.

— Vivos? — perguntamos:

Nosso amigo diz que sim e que, por isso mesmo, era preciso preparar. Ninguém levava comida para a pescaria e, portanto, até que seria bom cozinharem uns siris para fazer o farnel.

Na casa de um dele, a cozinheira foi avisada de que chegariam dentro em pouco com uma centena de siris para preparar. E de fato chegaram, lá pelas duas da tarde.

Foi tudo muito rápido. Às 5 horas os siris estavam prontinhos e todos sentados em volta da mesa, para experimentar. Trouxeram umas cervejas e foram comendo, foram comendo, até que chegou uma hora em que havia mais siris do que fome.

Resolveram tomar providências e telefonaram para uns amigos.

— Venham comer siris.

Os amigos chegaram com um violão e uma garrafa de uísque. Uísque vai, uísque vem, deu fome outra vez. Eram oito horas quando a cozinheira salvou a situação com uma panelada de carne-seca com abóbora. Uns sirizinhos antes, como aperitivo, e todos caíram na carne-seca.

Então deu vontade de cantar. Um lá pegou o violão, os outros suas caixas de fósforo e começaram a lembrar sambas antigos.

E nosso amigo, ainda com o caniço e o molinete na mão, confessa:

— Saí de lá agora.

— E a pescaria?

— Pescaria? Que pescaria?

(Texto extraído do livro "10 em Humor", Editora Expressão e Cultura — Rio de Janeiro, 1968, pág. 54.)

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A Charneca - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Então, na esperança vã de me livrar do tormento de amar-te, adormeci um pouco. E se digo vã, amor, é porque logo fiquei a sonhar contigo, a te dizer quanto vai em mim de amor, doce, terno, perdido amor às vezes; candente, nervoso, incontido amor, tantas vezes.

Oh os sonhos de amor, querida! Nele eras tão outra, tão Julieta, tão Isolda, tão Marília. E eu tão o Romeu do segundo ato, tão o Tristão da primeira ária, tão o Dirceu de antes do desterro!

Vinhas lentamente para os meus braços ansiosos, terna e eterna, simples e definitiva, como o barco que parte para o naufrágio. Tu, mulher que já caminhavas para mim, antes mesmo do dia em que te conheci. Para mim, que vivia na certeza de que de algum lugar virias, imponderável, como soem ser os destinos do amor.

No sonho, sorríamos, no sonho éramos nós dois para sempre e um dia. Tu, esquecida de tantas ingratidões, eras o mais puro dos pecados. Eu, vivendo o momento em que o homem prova a si mesmo ter um pouco de eternidade, olvidava antigos dissabores, as noites sofridas, as lágrimas caídas, a dor.

E tão glorioso fiquei, que em mim couberam todas as glórias, abateram-se sobre minha cabeça todos os hinos, e se Beethoven eu fosse, passaria, num átimo, da "Patética" à "Heróica". Que incontida alegria! Desprendí-me de ti e saí a correr pela charneca.

Na verdade eu nem sei o que é charneca, mas isto fica bacana pra burro, em romance inglês.

(Primo Altamirando e Elas", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962, pág. 200)

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História De Um Nome - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

No capítulo dos nomes difíceis têm acontecido coisas das mais pitorescas. Ou é um camarada chamado Mimoso, que tem físico de mastodonte, ou é um sujeito fraquinho e insignificante chamado Hércules.

Os nomes difíceis, principalmente os nomes tirados de adjetivos condizentes com seus portadores, são raríssimos, e é por isso que minha avó a paterna - dizia:

— Gente honesta, se for homem deve ser José, se for mulher, deve ser Maria!

É verdade que Vovó não tinha nada contra os joões, paulos, mários, odetes e — vá lá — fidélis. A sua implicância era, sobretudo, com nomes inventados, comemorativos de um acontecimento qualquer, como era o caso, muito citado por ela, de uma tal Dona Holofotina, batizada no dia em que inauguraram a luz elétrica na rua em que a família morava.

Acrescente-se também que Vovó não mantinha relações com pessoas de nomes tirados metade da mãe e metade do pai. Jamais perdoou a um velho amigo seu — o "Seu" Wagner — porque se casara com uma senhora chamada Emília, muito respeitável, aliás, mas que tivera o mau-gosto de convencer o marido de batizar o primeiro filho com o nome leguminoso de Wagem — "wag" de Wagner e "em" de Emília.

É verdade que a vagem comum, crua ou ensopada, será sempre com "v", enquanto o filho de "Seu" Wagner herdara o "w" do pai. Mas isso não tinha nenhuma importância: a consoante não era um detalhe bastante forte para impedir o risinho gozador de todos aqueles que eram apresentados ao menino Wagem.

Mas deixemos de lado as birras de minha avó — velhinha que Deus tenha, em Sua santa glória — e passemos ao estranho caso da família Veiga, que morava pertinho de nossa casa, em tempos idos.

"Seu" Veiga, amante de boa leitura e cuja cachaça era colecionar livros, embora colecionasse também filhos, talvez com a mesma paixão, levou sua mania ao extremo de batizar os rebentos com nomes que tivessem relação com livros. Assim, o mais velho chamou-se Prefácio da Veiga; o segundo, Prólogo; o terceiro, Índice e, sucessivamente, foram nascendo o Tomo, o Capítulo e, por fim, Epílogo da Veiga, caçula do casal.

Lembro-me bem dos filhos de "Seu" Veiga, todos excelentes rapazes, principalmente o Capítulo, sujeito prendado na confecção de balões e papagaios. Até hoje (é verdade que não me tenho dedicado muito na busca) não encontrei ninguém que fizesse um papagaio tão bem quanto Capítulo. Nem balões.

Tomo era um bom extrema-direita e Prefácio pegou o vício do pai - vivia comprando livros. Era, aliás, o filho querido de "Seu" Veiga, pai extremoso, que não admitia piadas. Não tinha o menor senso de humor. Certa vez ficou mesmo de relações estremecidas com meu pai, por causa de uma brincadeira.

"Seu" Veiga ia passando pela nossa porta, levando a família para o banho de mar. Iam todos armados de barracas de praia, toalhas etc. Papai estava na janela e, ao saudá-lo, fez a graça:

— Vai levar a biblioteca para o banho?

"Seu" Veiga ficou queimado durante muito tempo.

Dona Odete — por alcunha "A Estante" — mãe dos meninos, sofria o desgosto de ter tantos filhos homens e não ter uma menina "para me fazer companhia" - como costumava dizer. Acreditava, inclusive, que aquilo era castigo de Deus, por causa da idéia do marido de botar aqueles nomes nos garotos. Por isso, fez uma promessa: se ainda tivesse uma menina, havia de chamá-la Maria.

As esperanças já estavam quase perdidas. Epílogozinho já tinha oito anos, quando a vontade de Dona Odete tornou-se uma bela realidade, pesando cinco quilos e mamando uma enormidade. Os vizinhos comentaram que "Seu" Veiga não gostou, ainda que se conformasse, com a vinda de mais um herdeiro, só porque já lhe faltavam palavras relacionadas a livros para denominar a criança.

Só meses depois, na hora do batizado, o pai foi informado da antiga promessa. Ficou furioso com a mulher, esbravejou, bufou, mas — bom católico — acabou concordando em parte.

E assim, em vez de receber somente o nome suave de Maria, a garotinha foi registrada, no livro da paróquia, após a cerimônia batismal, como Errata Maria da Veiga.

Estava cumprida a promessa de Dona Odete, estava de pé a mania de "Seu" Veiga.

(A Casa Demolida, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, pág. 175)

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Divisão - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Você poderá ficar com a poltrona, se quiser. Mande forrar de novo, ajeitar as molas. É claro que sentirei falta. Não dela, mas das tardes em que aqui fiquei sentado, olhando as arvores. Estas sim, eu levaria de bom grado : as árvores, a vista do morro, até a algazarra das crianças lá embaixo, na praça. 0 resto dos moveis — são tão poucos! — podemos dividir de acordo com nossas futuras necessidades.

A vitrola esta, tão velha que o melhor é deixá-la ai mesmo, entregue aos cuidados ou ao desespero do futuro inquilino. Tanto você quanto eu haveremos de ter, mais cedo ou mais tarde, as nossas respectivas vitrolas, mais modernas, dotadas de todos os requisitos técnicos e mais aquilo que faltou ao nosso amor: alta-fidelidade.

Quanto aos discos, obedecerão às nossas preferências. Você fica com as valsas, as canções francesas, um ou outro "chopinzinho", o Mozart e Bing Crosby. Deixe para mim o canto pungente do negro Armstrong, os sambas antigos e estes chorinhos. Aqueles que compartilhavam do nosso gosto comum serão quebrados e jogados no lixo. É justo e honesto.

Os livros são todos seus, salvo um ou outro com dedicatória. Não, não estou querendo ser magnânimo. Pelo contrario: Ainda desta vez penso em mim. Será um prazer voltar a juntá-los, um por um, em tardes de folga, visitando livrarias. Aos poucos irei refazendo toda esta biblioteca, então com um caráter mais pessoal. Fique com os livros todos, portanto. E conseqüentemente com a estante também.

Os quadros também são seus, e mais esses vasinhos de plantas. Levarei comigo o cinzeirinho verde. Ele já era meu muito antes de nos conhecermos. Também os dois chinesinhos de marfim e esta espátula. Veja só o que está escrito nela: 12-1-48. Fique com toda essa quinquilharia acidentalmente juntada. Sempre detestei bibelôs e, mais do que eles, a chamada arte popular, principalmente quando ela se resume nesses bonequinhos de barro. Com exceção,o de pote de melado e moringa de água, nada que foi feito com barro presta. Nem o homem.

Rasgaremos todas as fotografias, todas as cartas, todas as lembranças passíveis de serem destruídas. Programas de teatros, álbuns de viagens, souvenirs. Que não reste nada daquilo que nos é absolutamente pessoal e que não possa ser entre nos dividido.

Fique com a poltrona, seus discos, todos os livros, os quadros, esta jarra. Eu ficarei com estes objetos, um ou outro móvel. Tudo está razoavelmente dividido. Leve a sua tristeza, eu guardarei a minha.

(A Casa Demolida — Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1968, pág. 201.)

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Éramos Mais Unidos Aos Domingos - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)


As senhoras chegavam primeiro porque vinham diretas da missa para o café da manhã. Assim era que, mal davam as 10, se tanto, vinham chegando de conversa, abancando-se na grande mesa do caramanchão. Naquele tempo pecava-se menos, mas nem por isso elas se descuidavam. Iam em jejum para a missa, confessavam lá os seus pequeninos pecados, comungavam e depois vinham para o café. Daí chegarem mais cedo.

Os homens, sempre mais dispostos ao pecado, já não se cuidavam tanto. Ou antes, cuidavam mais do corpo do que da alma. Iam para a praia, para o banho de sol, os mergulhos, o jogo de bola. Só chegavam mesmo — e invariavelmente atrasados na hora do almoço. Vinham ainda úmidos do mar e passavam a correr pelo lado da casa, rumo ao grande banheiro dos fundos, para lavar o sal, refrescarem-se no chuveiro frio, excelente chuveiro, que só começou a negar água do Prefeito Henrique Dodsworth pra cá.

O casarão, aí por volta das 2 horas, estava apinhado. Primos, primas, tios, tias, tias-avós e netos, pais e filhos, todos na expectativa, aguardando aquela que seria mais uma obra-mestra da lustrosa negra Eulália.

Os homens beliscavam pinga, as mulheres falando, contando casos, sempre com muito assunto. Quem as ouvisse não diria que estiveram juntas no domingo anterior, nem imaginaria que estariam juntas no domingo seguinte.

As moças, geralmente, na varanda da frente, cochichando bobagens. Os rapazes no jardim, se mostrando. E a meninada, mais afoita, rondando a cozinha, a roubar pastéis, se fosse o caso de domingo de pastéis.

De repente aquilo que Vovô chamava de "ouviram do Ipiranga as margens plácidas". Era o grito de Eulália, que passava da copa para o caramanchão, sobraçando uma fumegante tigela, primeiro e único aviso de que o almoço estava servido. E então todos se misturavam para distribuição de lugares, ocasião em que pais repreendiam filhos, primos obsequiavam primas e o barulho crescia com o arrastar de cadeiras, só terminando com o início da farta distribuição de calorias.

Impossível descrever os pratos nascidos da imaginação da gorda e simpática negra Eulália. Hoje faltam-me palavras, mas naquele tempo nunca me faltou apetite. Nem a mim nem a ninguém na mesa, onde todos comiam a conversar em altas vozes, regando o repasto com cerveja e guaraná, distribuídos por ordem de idade.

Havia sempre um adulto que preferia guaraná, havia sempre uma criança teimando em tomar cerveja. Um olhar repreensivo do pai e aderia logo ao refresco, esquecido da vontade. Mauricinho não conversava, mas em compensação comia mais do que os outros.

Moças e rapazes muitas vezes dispensavam a sobremesa, na ânsia de não chegarem atrasados na sessão dos cinemas, que eram dois e, tal como no poema de Drummond, deixavam sempre dúvidas na escolha.A tarde descia mais calma sobre nossas cabeças, naqueles longos domingos de Copacabana.

O mormaço da varanda envolvia tudo, entrava pela sala onde alguns ouviam o futebol pelo rádio, um futebol mais disputado, porque amador, irradiado por locutores menos frenéticos. Lá, nos fundos os bem-aventurados dormiam em redes. Era grande a família e poucas as redes, daí o revezamento tácito de todos os domingos, que ninguém ousava infringir.

E quando já era de noitinha, quando o último rapaz deixava sua namorada no portão de casa e vinha chegando de volta, então começavam as despedidas no jardim, com promessas de encontros durante a semana, coisa que poucas vezes acontecia porque era nos domingos que nos reuníamos.

Depois, quando éramos só nós — os de casa — a negra Eulália entrava mais uma vez em cena, com bolinhos, leite, biscoitos e café. Todos fazíamos aquele lanche, antes de ir dormir. Aliás, todos não. Mauricinho sempre arranjava um jeito de jantar o que sobrara do almoço.

(“A Casa Demolida”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1963, pág. 23)

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Conto de Natal - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Era um Papai-Noel mais subdesenvolvido do que - digamos - o Piauí. Uma barba mixuruquíssima, rala, encardida, que ele acabou por puxar para debaixo do queixo, na esperança de diminuir o calor.

Sim, porque fazia calor.

A calçada refletia por debaixo das calças dos transeuntes o seu bafo quente, o que ocorria também por debaixo das saias das passantes, mas esta imagem é mais refrescante e talvez não dê ao leitor a idéia do calor que fazia. A turba ignara ia e vinha, carregada de embrulhos, vítima da desonestidade dos comerciantes, mas, ávida de comprar presentinhos.

E o Papai Noel avacalhado ali na esquina, badalando. Era um sininho de som fino, que ele badalava meio sem jeito, como se estivesse disfarçando alguma coisa sem aquela dignidade de badalar de sino dos verdadeiros Papais-Noéis.

Também a roupa era mixa! A blusa não tinha aquela vermelhidão dos Papais-Noeis de capa de revistas. Nunquinha Madalena. Era cor-de-rosa, daquele cor-de-rosa das camisas que usam componentes de blocos de sujo, no Carnaval carioca. Isto, inclusive, talvez fosse verdade: aquele Papai-Noel era tão vagabundo que era bem possível que tivesse aproveitado o uniforme do Carnaval anterior, para o Natal.

Tia Zulmira, protegida pela sombra de uma marquise, aguardava condução e observava o Papai Noel. Observava, por exemplo, que o Papai-Noel usava tênis (bossa nova natalina), observava que o Papai-Noel não fazia anúncio de coisa nenhuma, ao contrário de seus coleguinhas de outras esquinas, que traziam às costas grandes cartazes coloridos com os nomes das lojas da cidade.

A velha, num lampejo, percebeu tudo. Viu logo que, naquele Papai-Noel, tinha truque. E, apenas para confirmar a sua teoria, abriu a bolsa, retirou um pedaço de papel e escreveu:

— 500 cruzeiros no grupo do gato — 1.675 pelos sete lados... NCr$ 200,00 — centena 463 (invertido) . . . NCr$ 150,00.

Enrolou o papelzinho no dinheiro correspondente e, saindo de debaixo da marquise, passou disfarçadamente pelo Papai-Noel e espalmou na sua mão a fezinha. Papai Noe1 apanhou tudo e disse baixinho:

— Obrigado, minha senhora. Um bom Natal para a senhora também.

(Texto extraído do livro "Dez em Humor", Editora Expressão e Cultura - Rio de Janeiro, 1968, pág. 50)

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Cartãozinho de Natal - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Até que eu não sou de reclamar, puxa! Taí, se há alguém que não é de reclamar, sou eu. Pago sempre e não bufo. Claro que procuro me defender da melhor maneira possível, isto é, chateando o patrão, cobrando cada vez mais, buscando o impossível — como diz Tia Zulmira —, ou seja, equilíbrio orçamentário. Se o Banco do Brasil não tem equilíbrio orçamentário, eu é que vou ter, é ou não é?

Mas a gente luta. Eu ganho cada vez mais e nem por isso deixo de terminar sempre o mês que nem time de Zezé Moreira: 0 x 0. Segundo cálculos da tia acima citada, que é bárbara para assuntos econômicos, eu sou um dos homens mais ricos do Brasil, pois consigo chegar ao fim do mês sem dever. Esta afirmativa não me agrada nada, mas dá uma pequena amostra de como vai mal a organização administrativa do nosso querido Brasil.

Aliás, minto...o cronista pede desculpas, mas estava mentindo. Eu vou no empate até dezembro, porque, quando chega o Natal, é fogo. Aí embaralha tudo. Não há tatu que resista aos compromissos natalinos. São as Festas — dizem.

O presente das crianças, a ganância do comerciante, as gentilezas obrigatórias, os orçamentos inglórios, a luta do consumidor, a malandragem do fornecedor e olhe nós todos envolvidos nesse bumba-meu-boi dos presentinhos.

E que fossem só os presentinhos. A gente selecionava, largava uma lembrancinha nas mãos dos amigos com o clássico letreiro: "Você não repare, que é presente de pobre" e ia maneirando. Mas tem as listas, tem os cartõezinhos.

O que me chateia são as listas e os cartõezinhos. A gente passa o mês todo comprando coisas pros outros sem a menor esperança de que os outros estejam comprando coisas pra gente. De repente, quando o retrato do falecido Almirante Pedro Álvares Cabral, que, no caminho para as Índias, ao evitar as calmarias, etc., etc. já é um raro no bolso dos coitados do que deputado em Brasília, vem um de lista.

O de lista é sempre meio encabulado. Empurra a lista assim na nossa frente e diz: — O pessoal todo assinou. Fica chato se você não assinar. Então a gente dá uma olhada. A lista abre com uma quantia polpuda — quase sempre fictícia — que é pra animar o sangrado. E tem a lista dos contínuos, tem a lista dos porteiros, tem a lista dos faxineiros, tem a lista das telefonistas, tem a lista do raio que te parta.

A gente assina a lista meio humilhado, porque, no máximo, pode contribuir com duzentas pratas, onde está estampada a figura de Pedro I, que às margens do Ipiranga, desembainhando a espada, etc., etc. e pensa que está livre, embora outras listas estejam de tocaia, esperando a gente.

Então tá. Há um momento em que os presentinhos já estão todos comprados, as listas já estão todas assinadas e você já está com mais ponto perdido na tabela do que o time do Taubaté. Deve pra cachorro, mas vai dever mais.

Vai dever mais porque faltam os cartõezinhos de apelação. A campainha toca, você abre para saber quem está batendo e é o lixeiro. Ele não diz nada. Entrega um envelopezinho, a gente abre e lá está o versinho:

"Mil votos de Boas Festas/ Seja feliz o ano inteiro/ É o que ora lhe deseja/ O vosso humilde lixeiro."

E o vosso humilde lixeiro espalma sorridente a estira que a gente larga na mão dele. Meia hora depois a campainha toca. Desta vez — quem sabe? — é uma cesta de Natal que um bacano teve a boa idéia de enviar. Mas qual. É o carteiro, fardado e meio sem jeito, que passa outro cartãozinho de apelação. A gente abre o envelope e lá está:

"Trazendo a correspondência/ Faça frio ou calor/ Vosso carteiro modesto/ Prossegue no seu labor/ Mas a cartinha que trás/ Nesta oportunidade/ É para desejar Boas Festas/ E muita felicidade."

Mas este ano eu aprendi, irmãos! Em 1963 vou comprar diversas folhas de papel (tamanho ofício) e organizar várias listas para as criancinhas pobres aqui da casa. Quando o cara vier com a dele, eu neutralizo a jogada com a minha. O máximo que pode acontecer é ele assinar 500 na minha e eu assinar 500 na dele... ficando a terceira da melhor de três para disputar mais tarde.

Também vou mandar prensar uns cartõezinhos. Quando o vosso humilde lixeiro ou o vosso carteiro modesto entregar o envelopinho, eu entrego outro a ele, para que leia:

"No Inferno das notícias/ Mas com expressão seráfica/ Eu batuco o ano inteiro/ A máquina datilográfica/ Pro ano que vai entrar/ Não me sinto otimista/ Mesmo assim, felicidades/ Lhe deseja este cronista."

Conforme diz Tia Zulmira:

-Malandro prevenido dorme de botina.

(Rosamundo e os Outros", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1963, pág. 174)

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A Mensagem - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Um amigo nosso, comandante da VASP, conta-me a estranha mensagem recebida por um piloto americano durante uma aterrissagem.

O avião da companhia norte-americana sobrevoava a Bahia, a caminho do Rio, quando um defeito no motor obrigou o piloto a providenciar uma aterrissagem no aeroporto mais próximo possível.

Na Bahia, justamente na pequena cidade de Barreiras, existe uma pista de emergência (se é que se pode chamar aquilo de pista) para os aviões das linhas internacionais. Raramente é usada, mas era a mais próxima da rota do avião. Assim, o piloto não teve dúvidas. A situação dele estava muito mais pra urubu do que pra colibri. 0 negócio era mesmo se mandar para Barreiras.

Pediu pouso durante certo tempo, dirigindo-se à Rádio local em inglês. A resposta demorou um pouco, mas acabou vindo. Alguém, com forte sotaque nordestino, falando um inglês arrevesado e misturado com palavras em português, respondia que estava ouvindo e aconselhava o comandante a procurar outro local para aterrissagem.

Há dias estava chovendo em Barreiras e a pista se achava em péssimo estado.O piloto, sem outra alternativa, insistiu em pousar assim mesmo, e tornou a pedir instruções, ouvindo-se lá a voz a dizer que estava bem, mas que não se responsabilizava pelo que desse e viesse.

Acontece porém que isso foi dito com outras palavras, ainda num misto de português e inglês. Assim:

— Ok. You land. But se der bode, I'il take my body out.

(10 Em Humor", Editora Expressão e Cultura — Rio de Janeiro, 1968, pág. 42)

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A Vontade do Falecido - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Seu Irineu Boaventura não era tão bem-aventurado assim, pois sua saúde não era lá para que se diga. Pelo contrário, Seu Irineu ultimamente já tava até curvando a espinha, tendo merecido, por parte de vizinhos mais irreverentes, o significativo apelido de "Pé-na-Cova". Se digo significativo é porque Seu Irineu Boaventura realmente já dava a impressão de que, muito brevemente, iria comer capim pela raiz, isto é, iam plantar ele e botar um jardinzinho por cima.

Se havia expectativa em torno do passamento do Seu Irineu? Havia sim. O velho tinha os seus guardados. Não eram bens imóveis, pois Seu Irineu conhecia de sobra Altamírando, seu sobrinho, e sabia que se comprasse terreno, o nefando parente se instalaria nele sem a menor cerimônia. De mais a mais, o velho era antigão: não comprava o que não precisava e nem dava dinheiro por papel pintado. Dessa forma, não possuía bens imóveis, nem ações, debêntures e outras bossas. A erva dele era viva. Tudo guardado em pacotinhos, num cofrão verde que ele tinha no escritório.

Nessa erva é que a parentada botava olho grande, com os mais afoitos entregando-se ao feio vício do puxa-saquismo, principalmente depois que o velho começou a ficar com aquela cor de uma bonita tonalidade cadavérica.

O sobrinho, embora mais mau-caráter do que o resto da família, foi o que teve a atitude mais leal, porque, numa tarde em que Seu Irineu tossia muito, perguntou assim de supetão:

- Titio, se o senhor puser o bloco na rua, pra quem é que fica o seu dinheiro, hem?

O velho, engasgado de ódio, chegou a perder a tonalidade cadavérica e ficar levemente, ruborizado, respondendo com voz rouca:

- Na hora em que eu morrer, você vai ver, seu cretino.

Alguns dias depois, deu-se o evento. Seu Irineu pisou no prego e esvaziou. Apanhou um resfriado, do resfriado passou à pneumonia, da pneumonia passou ao estado de coma e do estado de coma não passou mais. Levou pau e foi reprovado.

Um médico do SAMDU, muito a contragosto, compareceu ao local e deu o atestado de óbito.

- Bota titio na mesa da sala de visitas - aconselhou Altamirando; e começou o velório. Tudo que era parente com razoáveis esperanças de herança foi velar o morto. Mesmo parentes desesperançados compareceram ao ato fúnebre, porque estas coisas vocês sabem como são: velho rico, solteirão, rende sempre um dinheirão.

Horas antes do enterro, abriram o cofrão verde onde havia 60 milhões em cruzeiros, 20 em pacotinhos de "Tiradentes" e 40 em pacotinhos de "Santos Dumont".

O velho tinha menos dinheiro do que eu pensava - disse alto o sobrinho.

E logo adiante acrescentava baixinho:

- Vai ver, gastava com mulher.

Se gastava ou não, nunca se soube. Tomou-se - isto sim - conhecimento de uma carta que estava cuidadosamente colocada dentro do cofre, sobre o dinheiro. E na carta o velho dizia:

"Quero ser enterrado junto com a quantia existente nesse cofre, que é tudo o que eu possuo e que foi ganho com o suor do meu rosto, sem a ajuda de parente vagabundo nenhum."

E, por baixo, a assinatura com firma reconhecida para não haver dúvida: Irineu de Carvalho Pinto Boaventura.

Pra quê! Nunca se chorou tanto num velório sem se ligar pro morto. A parentada chorava às pampas, mas não apareceu ninguém com peito para desrespeitar a vontade do falecido. Estava todo mundo vigiando todo o mundo, e lá foram aquelas notas novinhas arrumadas ao lado do corpo, dentro do caixão.

Foi quase na hora do corpo sair. Desde o momento em que se tomou conhecimento do que a carta dizia, que Altamirando imaginava um jeito de passar o morto pra trás. Era muita sopa deixar aquele dinheiro ali pro velho gastar com minhoca.

Pensou, pensou e, na hora que iam fechar o caixão, ele deu o grito de "pera aí". Tirou os 60 milhões de dentro do caixão, fez um cheque da mesma importância, jogou lá dentro e disse "fecha".

-Se ele precisar, mais tarde desconta o cheque no Banco.

(O Melhor de Stanislaw Ponte Preta, Editora José Olympio - Rio de Janeiro, 1997, página 190)

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Não Sei Se Você Se Lembra -Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Então, não sei se você se lembra, nos veio aquela vontade súbita de comer siris. Havia anos que nós não comíamos siris e a vontade surgiu de uma conversa sobre os almoços de antigamente. Lembro-me bem - e não sei se você se lembra - que o primeiro a ter vontade de comer siris fui eu, mas que você aderiu logo a ela, com aquele entusiasmo que lhe é peculiar, sempre que se trata de comida ou de mulher.

Então, não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.

Então, não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é vendido naquelas insípidas casquinhas.

Ah... foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nós dois - não sei se você se lembra - apesar da fome que o uisquinho estava nos dando - resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal - aliás - achava que era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde, porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.

Mas - não sei se você se lembra - fomos de uma fidelidade espartana aos siris. Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.

Então - não sei se você se lembra - saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal botequim. Então - não sei se você se lembra - que a gente chegou e o homem do botequim disse que o siri já tinha acabado.

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Eram Parecidíssimas - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Peixoto entrou no escurinho do bar e ficou meio sobre o peru de roda, indeciso entre sentar-se na primeira mesa vaga ou caminhar mais para dentro e escolher um lugar no fundo. Mas sua indecisão durou pouco. Logo ouviu a voz de Leleco, a chamá-lo:

- Êi, Peixoto, venha para cá!

Estremeceu ao dar com o outro acenando, mas estufou o peito e aceitou o convite com ar muito digno, encaminhando-se para a mesa de Leleco.

- Senta aí, rapaz. - disse Leleco, ajeitando a cadeira ao lado - Você por aqui é novidade.

- De fato - concordou Peixoto, evasivo.

Leleco era todo gentilezas:

- Que é qui vais tomar? Toma um "Vat", o uísque daqui é ótimo. Você sabe, eu venho a este bar quase todas as tardes. É um hábito bom, este uisquinho antes de ir para casa.

- É. Eu sei que você costuma vir aqui de tarde.

Peixoto aceitou o uísque sugerido, o garçom afastou-se e Leleco não perdeu o impulso. Continuou falando:

- Engraçado você ter aparecido aqui, Peixoto.

- Engraçado por quê? - a pergunta foi feita num tom ansioso, mas o outro não pareceu notar.

- É que, ultimamente, eu toda hora estou me lembrando de você.

Peixoto fez-se sério como um ministro de Estado quando vai à televisão embromar o eleitorado. Apanhou o copo que o garçom colocara em sua frente, deu um gole minúsculo e pediu:

- Explique-se, por favor.

Leleco sorriu:

- O motivo é fútil e eu espero que me perdoe. Mas é engraçado. De uns tempos para cá eu me meti com uma pequena de São Paulo. Moça rica, com facilidade de aparecer aqui no Rio de vez em quando. Sabe como é. A gente vai levando. No princípio eu não notei a semelhança. Mais tarde ela mesma é que me chamou a atenção. Num dos nossos encontros ela me perguntou se eu te conhecia.

- A mim?

- Sim, a você. Ela, aliás, não te conhece. Vai escutando só... Ela perguntou e eu - é lógico - disse que sim. Ela então quis saber se de fato era parecida com sua mulher.

- Alice?

- Isto, a Alice, sua esposa. Disse que pessoas aqui do Rio, que conhecem vocês (ela não me contou quem foi), haviam afirmado que ela parecia muito com sua mulher. Só então eu notei que, de fato, as duas se parecem bastante, apenas num ou noutro detalhe são diferentes. Por exemplo: a Laís é loura.

- O nome dela é Laís?

- É Laís. Ela é loura e sua esposa, se não me engano, tem os cabelos pretos, não?

- Pretos, não digo. São castanho-escuros.

- Eu não vejo a Alice há algum tempo. Mas que são parecidas, não há dúvida. Lógico, a Laís ... eu posso dizer porque é uma simples aventura, entende? ... a Laís é meio boboquinha, grã-finóide. Não tem a classe, assim ... como direi, a postura da Alice.

Nesta altura Peixoto deu uma gargalhada, deixando o Leleco meio sobre o aparvalhado. Ia perguntar o porquê da risada, mas Peixoto ria e fazia-lhe um sinal com a mão que ia explicar:

- Leleco, esta é ótima. Você não sabe por que qui eu vim aqui. Tomar um uísque, não foi? Bem, o uísque era pretexto. Eu vim aqui justamente porque recebi um telefonema anônimo, de alguém que jura que viu minha mulher entrando no seu apartamento.

- O quê??? - Leleco ficou meio embaraçado:

- Pelo amor de Deus, você não contou isto à sua esposa, não cometeu esta injustiça por minha causa.

- Claro que não - mentiu Peixoto, que ficou sem graça por um instante, mas o bastante para que qualquer um percebesse que tivera a maior bronca com a mulher e saíra da discussão sem estar convencido de sua inocência.

Mas repetiu:

- Claro que não. Eu vim encontrar você aqui para conversar sobre o assunto. Eu não dei maior importância ao telefonema, mas queria que você tomasse conhecimento dele. Alguém que não gosta de você está querendo lhe meter numa fria.

- Pelo visto não é bem assim.

- Claro - apressou-se Peixoto em dizer:

- Quem telefonou tinha uma certa razão - e virando-se para o garçom:

- Mais dois aqui - ajeitou-se com visível satisfação:

- Vamos tomar mais um que eu tenho que sair.

Meia hora depois Peixoto saía do bar, rumo ao lar. Ia lépido, fagueiro, como alguém que se livra de um problema chato. Ia pensando em como é bom o sujeito ser calmo e precavido antes de tomar uma atitude.

Quanto a Leleco, assim que Peixoto saiu, foi para o telefone do bar, ligou para Alice e quando ela atendeu, falou:

- Neguinha? Quebrei o galho. A história colou - e, com certa apreensão na voz:

- Mas, por favor, joga fora essa peruca loura antes que ele chegue aí.

(Iº Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ - I)

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Conversa de Viajantes - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

E muito interessante é a mania que têm certas pessoas de comentar episódios que viveram em viagens, com descrições de lugares e coisas na base de "imagine você que...".

Muito interessante também é o ar superior que cavalheiros, menos providos de espírito pouquinha coisa, costumam ostentar depois que estiveram na Europa ou nos Estados Unidos (antigamente até Buenos Aires dava direito a empáfia).

Aliás, em relação a viajantes, ocorrem episódios que, contando, ninguém acredita.

O camarada que tinha acabado de chegar de Paris e - por sinal com certa humildade, estava sentado numa poltrona, durante a festinha, quando a dona da casa veio apresentá-lo a um cavalheiro gordote, de bigodinho empinado que logo se sentou a seu lado e começou a "boquejar" (como diz o Grande Otelo):

- Quer dizer que - está vindo de Paris, hem? - arriscou.

O que tinha vindo fez um ar modesto:

- É!!!

- Naturalmente o amigo não se furtou ao prazer de ir visitar o Palácio de Versalhes.

- Não. Não estive em Versalhes. Era muito longe do hotel onde me hospedei.

- Mas o amigo cometeu a temeridade de não ficar no Plaza Athénée?

O que não ficara no Plaza Athénée deu uma desculpa, explicou que o seu hotel fora reservado pela Cia. onde trabalha e, por isso, não tivera vez na escolha.

- Bem, concordou o gordinho, o Plaza realmente é um pouco caro, mas é muito central e há outros hotéis mais modestos que ficam perto do Plaza.

E depois de acender um cigarro, lascou:

- Passeou pelo Bois?

- Passei pelo Bois uma vez, de táxi.

- Mas o amigo vai me desculpar a franqueza; o amigo bobeou. Não há nada mais lindo do que um passeio a pé pelo Bois de Boulogne, ao cair da tarde. E não há nada mais parisiense também.

- É... eu já tinha ouvido falar nisso. Mas havia outras coisas a fazer.

- Claro... claro... Há coisas mais importantes, principalmente no setor das artes - e sem tomar o menor fôlego:

- Visitou o Louvre?

- Visitei.

- Viu a "Gioconda"?

Não. O recém-chegado não tinha visto a "Gioconda". No dia em que esteve no Louvre, a "Gioconda" não estava em exposição.

- Mas o senhor prevaricou - disse o gordinho, quase zangado, - A "Gioconda" só está em exposição às quintas e sábados e ir ao Louvre noutros dias é negar a si mesmo uma comunhão maior com as artes.

Passou uma senhora, cumprimentou o ex-viajante e, mal ela foi em frente, nova pergunta do cara:

- E a comida de Paris, hem, amigo? Você jantava naqueles bistrozinhos de Saint-Germain? Ou preferia os restaurantes típicos de Montmartre? Há um bistrô que fica numa transversal da Rue de...

Mas não pôde acabar de esclarecer qual era a rua, porque o interrogado foi logo afirmando que jantara quase sempre no hotel. E sua paciência se esgotou quando o chato quis saber que tal achara as mulheres do Lido.

- Eu não fui ao Lido também. O senhor compreende. Eu estive em Paris a serviço e sou um homem de poucas posses. Quase não tinha tempo para me distrair. De mais a mais, lá é tudo muito caro.

- Caríssimo - confirmou o gordinho, sem se mancar.

- O Sr., naturalmente, esteve lá a passeio e pôde fazer essas coisas todas - aventou, como quem se desculpa.

Foi aí que o gordinho botou a mãozinha rechonchuda sobre o peito e exclamou:

- Eu??? Mas eu nunca estive em Paris!

(Rosamundo e os Outros)

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A Velha Contrabandista - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.

Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:

- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?

A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:

- É areia!

Aí quem riu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco.

A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia.

Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.

Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com moamba, dentro daquele maldito saco.

No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai!

O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.

Diz que foi aí que o fiscal se chateou:

- Olha vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.

- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:

- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?

- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha.

- Juro - respondeu o fiscal.

- É lambreta.

( Primo Altamirando E Elas; O Melhor de Stanislaw Ponte Preta, José Olympio Editora RJ/RJ, 1997, pág 54)

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Prova Falsa - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)


Quem teve a idéia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de educação.

— Mas o cachorro era um chato — desabafou.

Desses cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.

— Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.

Ainda por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão.

Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.

— Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o "pobrezinho".

Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que arrastava para locais incríveis.

A vida lá em sua casa estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino.

Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.

— Você é um desalmado — disse ela, uma vez.

Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em cima do vestido novo de sua mulher.

- Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.

— Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.

— Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?

— Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.

E suspirou cheio de remorso.

Garoto Linha Dura , Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 51.

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Fábula dos Dois Leões - Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Diz que eram dois leões que fugiram do Jardim Zoológico. Na hora da fuga cada um tomou um rumo, para despistar os perseguidores. Um dos leões foi para as matas da Tijuca e outro foi para o centro da cidade. Procuraram os leões de todo jeito mas ninguém encontrou. Tinham sumido, que nem o leite.

Vai daí, depois de uma semana, para surpresa geral, o leão que voltou foi justamente o que fugira para as matas da Tijuca. Voltou magro, faminto e alquebrado.

Foi preciso pedir a um deputado do PTB que arranjasse vaga para ele no Jardim Zoológico outra vez, porque ninguém via vantagem em reintegrar um leão tão carcomido assim. E, como deputado do PTB arranja sempre colocação para quem não interessa colocar, o leão foi reconduzido à sua jaula.

Passaram-se oito meses e ninguém mais se lembrava do leão que fugira para o centro da cidade quando, lá um dia, o bruto foi recapturado.

Voltou para o Jardim Zoológico gordo, sadio, vendendo saúde. Apresentava aquele ar próspero do Augusto Frederico Schmidt que, para certas coisas, também é leão.

Mal ficaram juntos de novo, o leão que fugira para as florestas da Tijuca disse pro coleguinha:

— Puxa, rapaz, como é que você conseguiu ficar na cidade esse tempo todo e ainda voltar com essa saúde? Eu, que fugi para as matas da Tijuca, tive que pedir arreglo, porque quase não encontrava o que comer, como é então que você... vá, diz como foi.

O outro leão então explicou:

— Eu meti os peitos e fui me esconder numa repartição pública. Cada dia eu comia um funcionário e ninguém dava por falta dele.

— E por que voltou pra cá? Tinham acabado os funcionários?

— Nada disso. O que não acaba no Brasil é funcionário público. É que eu cometi um erro gravíssimo. Comi o diretor, idem um chefe de seção, funcionários diversos, ninguém dava por falta. No dia em que eu comi o cara que servia o cafezinho... me apanharam.

Primo Altamirando E Elas . Rio de Janeiro, Editora do autor. 1961, p.153



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Samba do Crioulo Doido - Stanislaw Ponte Preta E Quarteto Em Cy















"Este é o Samba do Crioulo Doido. A história de um compositor que durante muitos anos obedeceu ao regulamento e só fez samba sobre a História do Brasil. E tome de Inconfidência, Abolição Proclamação, Chica da Silva; e o coitado do crioulo tendo que aprender tudo isto para o enredo da escola. Até que no ano passado escolheram um tema complicado: Atual conjuntura. Ah ah ah... aí o crioulo endoidou de vez e saiu este samba... "

Foi em Diamantina
Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina
Arresolveu se casá
Mas Chica da Silva
Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa
A se casar com Tiradentes
Lá iá lá iá lá ia
O bode que deu vou te contar
Lá iá lá iá lá iá
O bode que deu vou te contar
Joaquim José
Que também é
Da Silva Xavier
Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas
Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta
O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro
E acabou com a falseta
Da união deles dois
Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão
E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história
Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem
E D. Pedro é uma estação também
O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou
O, ô , ô, ô, ô, ô
O trem tá atrasado ou já passou


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Nabucodonosor (Marcha da Bicha Louca – dizem que em homenagem ao travesti Rogéria)) – Stanislaw Ponte Preta

Nunca mais, quero sair fantasiado
Nunca mais, eu vou brincar o carnaval!
Nunca mais!
Ai, nunca mais serei vaiado
Naqueles bailes do Municipal!

Foi no ano passado eu me fantasiei imaginem vocês!
Fui pra lá carregado todo enfeitado com mil paetês.
Com miçangas e vidrilhos apliques lantejoulas
Bordados eu tinha até mesmo nas minhas ceroulas!

Quantas noites, tive que ficar acordado quantas noites, eu cheguei mesmo a passar mal!
Quantas noites, eu caprichei nos meus babados, pra quase ir em cana no final!

Começou o desfile e a fofoca corria por todo salão
Sonho de Messalina não sabe de quem levou um bofetão!
Desfilou renascentista, foi desclassificado
Aí deu um pulo pra trás e caiu desmaiado!
Foi então, que desisti de desfilar
Foi então, que abandonei a passarela
Foi então, que começaram a me estranhar, e o povo já gritava:

Prende ela! Bis

Terminou o desfile e eu só não chorei porque não sou mulher!
E mesmo que fosse eu nunca seria como uma "qualquer" .

Fui prá minha casa
Curtindo a minha dor rasgado e amassado de Nabucodonosor!

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Dialeto Carioca (Stanislaw Ponte Preta - Anos 60)


O material (1) foi se chegando, entregou a granolina (2) ao vida mansa (3) e lascou:

"Na crista da minha onda ninguém pega jacaré (4)".

O distinto morou logo que ela tinha quebrado algum galho (5) para sair do embaraço. O bom cabrito não berra e o seu mapa da mina (6) era bom cabrito e se estava bronqueando era porque a juriti tinha cantado em seu telhado (7).

Perguntou o bicho que tinha dado (8) e ela foi logo dando o serviço (9). Disse que vinha beirando o asfalto (10) quando uns e outros (11) começaram a acampanar (12).

Fez a otária (13) mas o cara vinha de pisante (14) firme no reboque (15) doido pra salivar (16) a proposta.

Era muita soberba (17) da parte dele querer apanhá-la assim no simplesmente. E acrescentou: Por acaso ele não residiu (18) logo que eu não sou de arreglo fácil (19)?"

Pelo jeito tinha castigado umas cangibrinas (20) e não estava custando muito para apagar (21). Ela ainda olhou em volta para ver se algum chapinha de fé (22) podia lhe valer, mas o cara já tinha atracado (23),

Foi nesse momento que os passageiros do condução gratuita (24) saltaram na esquina e vieram com pinta (25) de quem vai autuar. 0 tira (26) que vinha na frente disse:

"Nos trotuá da vida, né, sua folgada?"

E segurou-a pelo braço pra metê-la na viatura.

"Comigo não tem bronca, meu compadre!"

Abriu a caixa (27) devagar e palmeou um retrato novinho do descobridor na mão dele, por trás do biombo (28).

Aí foi mole (29) 0 trio sentiu o calor da erva (30) e amoleceu legal. "já vi que estou falando com uma dama compreensiva!", falou.

Se mandou (31) para a viatura e ela já ia em frente quando o otário voltou à retranca (32). Mas aí já era outro enredo (33). Entrou em negociações com o indigitado e, depois de um serviço rápido, tomou quatro retratos do almirante (34).

Um pelo gasto que tivera e três de juros. Sim, porque ela não se virava (35) pra sustentar o pessoal da Vigilância (36).

0 vida mansa jogou o fumador (37) longe e perguntou:

Se tomou três de juros, como é que só me entregou dois?"

Ela ia dizendo que do outro cabral ia precisar, mas como ele ameaçou soltar o sarrafo (38) entregou o dinheiro todo e ainda exclamou, sorrindo:

"Tu é fogo no paiol (39) né, deputado?"

1 - mulher de vida fácil; mundana, prostituta.

2 - dinheiro;

3 - gigolô;

4 - fazer alguém de bobo;

5 -contornar uma dificuldade;

6 - mulher que sustenta homem;

7 - estar em perigo;

8 - ocorrência;

9 -relatar;

10 - caminhar pela calçada;

11 - desconhecidos; 12 - observar;

13 - simplória;

14 - pé;

15 -seguir com insistência;

16 - propor com palavras;

17 - audácia;

18 - entender;

19 - receber pouco dinheiro por um serviço;

20 - cachaças;

21 - dormir;

22 - amigo;

23 - abordado;

24 - carro de presos;

25 - com jeito;

26 - policial;

27 - bolsa;

28 - discretamente;

29 - fácil;

30 - dinheiro na mão;

31 - ir embora;

32 - tornar a seguir;

33 - história;

34 - cédulas de mil cruzeiros;

35 - exercer atividade pouco honesta;

36 - polícia;

37 - cigarro;

38 - bater;

39 - perigoso;

40 - que convence pela oratória.

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Frases de Stanislaw Ponte Preta

Quando a desculpa é gaguejada, é porque a explicação está errada.

Antes só do que muito acompanhado.

Homem que desmunheca e mulher que pisa duro não enganam nem no escuro.

Televisão é uma máquina de fazer doidos.

O homem de duas caras geralmente usa a pior.

Capitalismo é o sistema em que homem explora o homem. Socialismo é o contrário.

Todo homem previdente sorri sem falha no dente.

Pra quem gosta de jiló, coruja é colibri.

Pode-se dizer a maior besteira, mas se for dita em latim muitos concordarão

Se continuar essa carestia aí, pobre tende a desaparecer.

Era desses caras que cruzam cabra com periscópio pra ver se conseguem um bode expiatório.

Botafoguense é aquele que não tem coragem de ser Flamengo nem classe para ser Fluminense.

Os valores morais são os únicos que conservaram os preços de antigamente.

Ser imbecil é bem mais fácil.

Dos inocentes é o direito de nem desconfiar

Rabo e conselho só se deve dar a quem pede.

Difícil dizer o que incomoda mais: se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante.

Certos produtores de televisão dão tanto em cima das artistas que deviam receber ordenado de reprodutores.

Os Dez Mandamentos deveriam ser 11. Faltou um assim: Assinar o ponto e trabalhar.

No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixaram de acontecer.

A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento.

Mais vale um filé no prato do que um boi no açougue.

Consciência é como vesícula, só quando dói é que a gente se lembra que ela existe.

Está dando mais do que cará no brejo.

Quem não tem quiabo não oferece caruru.

O terceiro sexo já está quase em segundo.

Em mulher não se bate nem com uma flor, até porque não adianta nada.

Em Bonsucesso, bode pasta deitado pra não pegar rebarba de tiroteio.

Mulher enigmática? Às vezes é pouca gramática!

No Brasil a imunidade parlamentar existe para muito poucos deputados. Para a grande maioria o que existe mesmo é a impunidade parlamentar.

Era uma empregada tão perfeita,mas tão perfeita, que a patroa concordou em cozinhar para ela.

O trabalho de equipe acabou com o privilégio dos heróis.

O sol nasce pra todos, a sombra pra quem é mais esperto.

Das três melhores coisas da vida a segunda é comer e a terceira é dormir.

Mais incomodado do que um búfalo no verão da Dinamarca.

E o homem honesto? É aquele que se vende caro.

Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada de mulher no bar.

Em terra de olho quem tem um cego é rei

Política tem esta desvantagem: de vez em quando o sujeito vai preso em nome da liberdade

Mais murcho que boca de velha.

Ninguém se conforma de já ter sido.

Quando chega uma certa idade a coisa fica monótona como itinerário de elevador, não existe mais desejo sexual, existe é reminiscência sexual, que é coisa bem diferente, aliás, menos cansativa.

As coisas que mais contribuem para avacalhar a dignidade de um homem são, pela ordem, bofetão de mulher e tombo de bunda no chão.

Nem todo rico tem carro, nem todo ronco é pigarro, nem toda tosse é catarro, nem toda mulher eu agarro.

Pobre daquele que não guardou consigo um pouco da infância.

Todo pediatra capricha na pronúncia quando anuncia sua especialidade. Deve ser para evitar dúvidas.

A diferença entre o religioso e o carola é que o primeiro ama a Deus, o segundo, teme.

Bom cabrito não berra, bale.

Mais por fora do que umbigo de vedete

Ficou numa melancolia de pingüim no Piauí.

À galinha não interessa se o preço do ovo aumenta, a não ser que o diâmetro dele também aumente.

Mulher e livro, emprestou, volta estragado

Se as paredes falassem, todo mundo ia dormir lá fora.

Dono do cartório de protesto é uma espécie de cafetão da desgraça alheia.

A diferença entre Delegado e Comissário é a seguinte: O Delegado não está, e o Comissário foi tomar um cafezinho ali na esquina.

Quando o casal começou a dançar o chá-chá-chá Tia Zulmira disse que já conhecia aquilo, apesar de que, de pé, era a primeira vez que via.

Quem diz que futebol não tem lógica, ou não entende de futebol, ou não sabe o que é lógica.

Se mosquito pensasse um pouco, mordia antes e só zunia depois.

Pode-se dizer a maior besteira, mas se for dita em latim muitos concordarão.

Cachorro do mato não procura poste.

Nem todo gordo é bom; muitos se fingem de bonzinhos porque sabem que correm menos.

Era um psiquiatra em fase de mudança para o time dos psicopatas.

Nos trens suburbanos não livram a cara nem de padre, que dirá mulher de minissaia.

Não sei porque tem gente que acha que eu tenho que defender tudo, igual goleiro de Seleção.

O primeiro nome de Freud era Segismundo. Aliás, não só seu primeiro nome como também seu primeiro complexo.

Quando soube que todos os seus vizinhos eram pessoas exemplares, o homem sensato mudou-se para outro bairro.

Pra quem gosta de jiló, coruja é colibri.

Aquela foi mais uma frente fria que o Rio desmoralizou. O inverno carioca caiu numa quinta-feira, não deu nem pra pegar uma praia.

Mulher expondo sobre educação infantil é solteira na certa.

Todo homem previdente sorri sem falha no dente,

Hoje em dia ninguém é bonzinho de graça

A dúvida dele não era a de que pudesse não ser um homem mas a de que talvez nem chegasse a ser um rato.

Quem desdenha quer comprar, quem disfarça está escondendo, mas quem desdenha e disfarça, não sabe o que está querendo.

Tirante mulher, a gente deve recomendar tudo aquilo que experimentou e gostou.

O inventor do abridor de lata pode muito bem ter sido o mesmo que antes tinha inventado o cinto de castidade.

Às vezes é melhor deixar em fogo lento do que mexer na panela.

Por mais eficazes que sejam os métodos novos de fazer criança, a turma jamais abandonará o antigo.

Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!

Se a senhora está mesmo disposta a se despir de todos os seus preconceitos então porque não tira logo as calcinhas também?

Na atual conjuntura,quem não atrapalha ajuda

Se nós morremos por inteiro,por que viver pela metade?

Estava tão mal que mais parecia reserva do Bonsucesso

No regime capitalista, existe a exploração do homem pelo homem; no socialismo é o contrário.

Mentia com tanta ênfase que até o contrário do que dizia estava longe de ser verdade.

A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento.

O melhor da televisão é o botão de desligar.

Mais remendado que paletó de mendigo.

Carro é como mulher: só é bom pra quem tem dois.

Quando um amigo morre, leva um pouco da gente.

Há sujeitos tão inábeis que sua ausência preenche uma lacuna..

Macrobiótica é o regime ideal para quem tem 82 anos e quer chegar a 83.

Menino mijado, bode embarcado e chefe de Estado, nunca fica despreocupado.

Quando estamos fora, o Brasil dói na alma; quando estamos dentro, dói na pele.

Com exceção de pote de melado e moringa d'água, nada que foi feito de barro presta.Nem o homem

Tinha tal pavor de avião que se sentia mal só de ver uma aeromoça.

Esperanto é uma língua universal que não se fala em lugar nenhum.

Lavar a honra com sangue suja a roupa toda.

Se você não acredita que o reino do céu é aqui, repare então como os pobres de espírito se divertem.

Ele tinha um medo terrível de se apaixonar pela esposa.

Minissaia é um traje como qual a mulher senta e aparece exatamente o que a saia tinha obrigação de esconder.

O terceiro sexo já está quase em segundo.

Ainda há de chegar o dia em que o terceiro sexo será o primeiro.

O verdadeiro folião é o que abraça uma garrafa de uísque diante da TV.

Se Jeová andasse direito mesmo, não precisava de testemunha

Nunca vi dar horta para cabrito tomar conta

As crises políticas nacionais são tratadas de maneira tão sensacionalista pela imprensa brasileira que, se a gente estiver no estrangeiro, ao ler um jornal brasileiro tem a impressão que, ao voltar, não encontrará mais o país.

Mania de grandeza é a desses suplementos literários que têm um aviso dizendo que é proibido vender separadamente.

Se tudo pode acontecer, então pode ser que o Dia do Juízo Final caia num feriado.

Uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão.

O rapaz era militar e Flamengo, portanto duplamente supersticioso.

Coitado, freqüentou tantas noites de autógrafos que acabou alcoólatra, e bebia tanto que não tinha ressaca, tinha é maremoto.

O mais perigoso é que já estão confundindo justa causa com calça justa.

Quando a gente chama alguém de “autêntico” é porque ele não inspira adjetivos elogiosos.

Amor, dinheiro e lua, parando de crescer começam logo a diminuir.

Em rio de piranha jacaré nada de costas e macaco bebe água de canudinho

Mais inchada do que cabeça de botafoguense

Se não existisse mau gosto, ninguém plantava jiló!

Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça.

Morava num morro tão perigoso, que até cabrito pastava deitado

Tem nêgo que adora virar fenômeno.

Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas

Ibrahim, Ibrahim, se não fosse você, o que seria de mim?

Mais suado do que o marcador de Pelé

Pra não se sentir diminuído no meio dos amigos, confessou: "Não é pra me gabar não, mas eu também sou meio tarado!"

Mais feia do que mudança de pobre

Caetano Veloso confunde velocidade com trepidação.

Estava mais duro do que nádega de estátua.

Pra quem gosta de jiló, sandália é tamanco

Era um especialista em vias urinárias e não tinha preferências, qualquer que fosse a via, em sendo urinária, ele encarava.

Só depois que o gato morre é que o rato engorda

Antes só que muito acompanhado.

Camelô, no Rio de Janeiro, tem sempre uma audiência de deixar muito conferencista com complexo de inferioridade

O Reino Unido não é tão unido assim como eles dizem, não.

Mais inútil do que um vice-presidente.

Basta ler meia página do livro de certos escritores para perceber que estão despontando para o anonimato.

No Brasil a imunidade parlamentar existe para muitos poucos deputados. Para a grande maioria o que existe mesmo é a impunidade parlamentar

Se você continuar se comportando mal, meu filho, te obrigo a ver TV

Se o Diabo entendesse de mulher, não tinha rabo nem chifres

O que seria do doce de coco se não fosse o circunflexo?

O cachorro abana o rabo quando quer agradar, a mulher, quando quer agrado.

Fulano está mais perdido do que cego em tiroteio.

Tem viúva que está chamando urubu de meu louro.

Cachorro que cobra mordeu tem medo de lingüiça.

Parecia uma onça com sinusite.

Passarinho que come pedra sabe o que lhe advirá.

Curioso é aquele que, em vez de olhar para o boneco, fica olhando para a boca do ventríloquo.

A única coisa boa da televisão é o botão de desligar.

Levou um susto e ficou mais branco que bunda de escandinavo.

Sentiu que tinha lingüiça debaixo do angu.

Vestir com classe é fácil, o difícil é tirar a roupa com idem

Uma nota novinha em folha, dessas que saem logo depois de uma revolução em emissão especial para cobrir as despesas democráticas

Padres, primos e pombos: os dois primeiros não servem para casar, os dois últimos só servem para sujar a casa.

Conversa de bêbado não tem dono.

Todo racista deveria ser amarrado pelas costas a outro racista até aprender a ser gente

Quem dá aos pobres e empresta, adeus!

Quando acabou aquele velório teve-se a impressão de que o morto ficou mais aliviado.

Mais por fora do que umbigo de vedete.

Quando vejo um afeminado muito musculoso, tenho vontade de criar um ditado novo: a ordem dos fatores não halterofilista.

Me incluam fora dessa.